Uma pequena história, muito próxima da realidade.

Colegas de trabalho, Fontourinha e Ferreira adoravam um chopinho depois do expediente. Bolinho de bacalhau, berinjela refogada, outro chopinho, “enquanto o trânsito folgava”. Burocratas de pura estirpe, tinham liturgias especiais para viver uma vida sem graça no trabalho.

O assunto, quase sempre o mesmo: futebol, dinheiro e mulher. Predadores convictos, gostavam muito de um papo sobre mulheres. No terceiro chope, uma história mais escabrosa sobre uma coleguinha de serviço sempre aparecia.

Fontourinha, mais recatado, de amante fixa há mais de cinco anos. Fauno das segundas-feiras, mantinha uma relação carinhosa com a esposa e a amante.

Ferreira, caviloso, iconoclasta, folgado, indesculpavelmente folgado, tinha mulher de todo o tipo. A secretária anímica e magrela, a casada fogosa e de fartas carnes, a mais madura que, carente, lhe dava presentes caros. “Está vendo o sapato novo, crocodilo, italiano, uma jóia do artesanato lombardo”. E uma ninfetinha tarada, exibicionista, insaciável, completa, multiorgástica.

Pois foi o próprio Ferreira que, numa sexta-feira de chopes mais encorpados, tocou no assunto: “Grupal, meu caro! A suruba falada, o sexo dos romanos, o povo que nos deixou toda a base de cultura e civilização. Decadência, não! É evolução antropológica. Os homens modernos tendem a compartir suas fêmeas.”

Fontourinha, mais família, mais poltrão, inseguro daqueles de deixar analista esquizofrênico, reagiu com asco. Ferreira riu, ironizou, usou de todo o seu cinismo para convencer o tímido Fontourinha, que parecia ainda de menor estatura quando acuado.

E a cada sexta-feira o assunto voltava à mesa dos dois amigos. Fontourinha, reticente, mas já mostrando interesse. Ferreira, espalhafatoso na relação direta do número de chopes.

Até que num desses encontros de sexta, Fontourinha, curioso, se bem que ainda desconfiado, assentiu condicionalmente: “Temos que encontrar as mulheres certas”.

Depois de uns quinze dias, muita logística, marchas e contramarchas, imposições de parte a parte, quase um tratado, chegaram a um veredicto. Escolheram as quarentonas. Fontourinha, a única amante, com a qual o relacionamento já começava a esfriar. Ferreira, com a casada fogosa, que tinha topado o sexo coletivo na primeira abordagem, louca que estava por mais uma loucura. “Com pouca luz, com muito pouca luz”, insistia o pequeno Fontoura.

Motel reservado, a melhor suíte com uma grande piscina e uma generosa cama, naquela próxima sexta-feira.

Ferreira chegou cedo com a sua devassa. Fontourinha, trêmulo pela expectativa, entrou temeroso no motel de luxo. E foi com muita vergonha que perguntou, na recepção, pela suíte reservada. Encaminhado, recebeu uma segunda chave. Ao entrar no calabouço da orgia, mesmo custando a se acostumar com a penumbra, reconheceu, nos braços de Ferreira, só de calcinha, seios firmes, a normalista recatada com quem tinha se casado há mais de 20 anos. Ferreira, olhos arregalados, primeiro mudo, depois num grito lancinante, primevo, vislumbrou, pela mão de Fontourinha, elegante como sempre, a mãe de seus filhinhos, a doce Helena, sua parceira de sexo formal e contido de todo o sábado à noite.

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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