Consultamos o professor Poty Rodrigues de Lucena, do ICADS/UFBA, e membro da comissão que estuda a instalação da Universidade Federal do Oeste, UFOBA, para esclarecer como se procede à instalação de um novo curso em uma universidade. Numa longa e didática carta, o professor Poty mostra o embasamento legal e acadêmico para a ocorrência de tal fato. Ele está pouco otimista em relação à instalação do Curso de Medicina a médio prazo.
Afirma que talvez isso seja viável entre 2014 e 2015, depois de um longo processo legal, algo não contemplado pelos factóides eleitoreiros que diversos políticos criaram, num arroubo voluntarista e bravateiro, em que reivindicam para si a criação do novo curso. Portanto, o ruído dos fogos de artifício podem não ter a reverberação que os eleitores mais ingênuos acreditam existir. A carta do Professor:
Prezado editor,
Primeiramente revelo que ficamos lisonjeados em receber o voto de confiança da sociedade, exercido pelo Governo Federal na figura do MEC, no nosso trabalho em Barreiras e que o curso de medicina traz consigo a área de conhecimento em saúde, uma área que oxigena o pulmão científico da instituição e enobrece a missão da Universidade Federal embrionária do Oeste da Bahia. E vai além. Pois é uma área de contato direto entre a sociedade e a Universidade, dando a força ao projeto da Universidade brasileira que legitima nosso papel de apoio ao desenvolvimento do plano social regional.
Em resposta a sua consulta e para alargar o foco da luz aos incautos, alongarei o texto desta missiva digital para que se torne informativo, pois tenho credo no merecimento do vosso espaço jornalístico.
A constituição federal em seu artigo 207 reza que:
“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (…)”
O decreto da presidência da república Nº 5.773, de 9 de maio de 2006, estabelece:
“Art. 28. As universidades e centros universitários, nos limites de sua autonomia, observado o disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, independem de autorização para funcionamento de curso superior, devendo informar à Secretaria competente os cursos abertos para fins de supervisão, avaliação e posterior reconhecimento, no prazo de sessenta dias.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput a novas turmas, cursos congêneres e toda alteração que importe aumento no número de estudantes da instituição ou modificação das condições constantes do ato de credenciamento.
§ 2º A criação de cursos de graduação em direito e em medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades e centros universitários, deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde, previamente à autorização pelo Ministério da Educação. (…)”
Segundo o Estatuto vigente da Universidade Federal da Bahia:
“Art. 16. Compete ao Conselho Universitário:
I – deliberar sobre:
a ) políticas gerais e planos globais de ensino, pesquisa, criação, inovação e extensão da Universidade;
b ) planejamento anual, diretrizes orçamentárias, proposta orçamentária e prestação de contas da Universidade;
c ) criação, modificação e extinção de Unidades Universitárias e demais órgãos;
d ) política patrimonial e urbanística dos campi, aprovando a variação patrimonial: aquisição, construção e alienação de bens imóveis;
e ) diretrizes relativas à retribuição de serviços cobrados pela Universidade;
f ) quadro de pessoal técnico-administrativo e de pessoal docente, estabelecendo a distribuição dos cargos de Magistério Superior da Universidade;
g ) recrutamento, seleção, admissão, regime de trabalho e dispensa de pessoal docente;
h ) normas gerais a que se devam submeter as Unidades Universitárias e demais órgãos, ressalvadas as de competência do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão;
i ) concessão de títulos e dignidades universitárias. (…)”
Ainda no Estatuto,
“Art. 21. Ao Conselho Acadêmico de Ensino compete:
I – supervisionar as atividades acadêmicas do ensino de graduação e de pós-graduação;
II – fixar normas e deliberar sobre:
a ) regime didático da Universidade, no que se refere ao ensino de graduação e de pós-graduação;
b ) criação, instalação, funcionamento, modificação e extinção de cursos de graduação e sequenciais;
c ) criação, instalação, funcionamento, modificação e extinção de cursos de pós-graduação, incluindo programas permanentes de especialização sob a forma de Residência e de outras modalidade de ensino;
d ) fixação, ampliação e diminuição de vagas nos cursos de graduação e de pós-graduação;
e ) recrutamento, seleção, admissão e habilitação de alunos de graduação e de pós-graduação;
f ) reconhecimento de graus e títulos acadêmicos de graduação e de pós-graduação; (…)”
Com base nestes pressupostos inicio com uma explanação sobre o processo de criação de um curso de graduação para após desenvolver os pormenores que envolvem a pauta.
As Universidades Federais são autarquias do Ministério da Educação e em zelo à autonomia acadêmica o MEC tem respeitado as decisões internas sobre a estrutura de ensino das Universidades, sendo assim a criação de cursos de graduação é uma decisão autônoma que cabe ao corpo acadêmico da instituição. Ao contrário das faculdades, os centros universitários e Universidades possuem autonomia para autorizar vagas de cursos e até criar novas modalidades de ensino de graduação. No entanto, apesar da autonomia constitucional, a criação de vagas em alguns cursos de graduação específicos requer autorização do MEC e órgãos de representação pública ou de conselhos profissionais. É assim com o curso de medicina.
A UFBA possui diversos órgãos de representação acadêmica: Conselho Universitário, Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, Conselho Acadêmico de Ensino, Conselho Acadêmico de Pesquisa e Extensão, Assembleia Universitária e Conselho de Curadores. A reitora preside o Conselho Universitário que é a instância máxima de deliberação da instituição. No campus Edgard Santos em Barreiras, enquanto unidade acadêmica da UFBA, a criação de qualquer curso de graduação requer o envio de proposta de criação para tramitação no Conselho Acadêmico de Ensino (CAE) e dada às especificidades do curso de medicina esta discussão passará inevitavelmente pelo Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal da Bahia.
O Consuni já se manifestou certa vez sobre o tema e criou uma comissão de avaliação que nos visitou e emitiu relatório com parecer desfavorável à criação do curso de medicina em função da fragilidade de infraestrutura e fixação docente. Salvo nosso respeito à deliberação da comissão, pessoalmente considerei que os argumentos levantados no relatório da comissão além de frágeis foram superficiais para fundamentar o parecer desfavorável. A partir desta decisão avalio que somente após a garantia de condições de funcionamento o Consuni deliberaria novamente sobre a criação do curso de medicina.
Entretanto, relembro que o projeto de criação do ICADS foi aprovado em novembro de 2005 pelo Conselho Universitário da UFBA e foram ofertados 06 cursos já no segundo semestre de 2006, um prazo muito curto. Com a estrutura que dispomos dificilmente colocaríamos em funcionamento um curso de medicina em tempo exíguo, com ameaças à qualidade acadêmica e um enorme desgaste institucional. A reitora Dora Leal tem pautado sua gestão pela organização e prudência no fazer acadêmico, pois o processo de expansão da UFBA em Barreiras e Vitória da Conquista trouxe a tona limitações administrativas e desafios para a comunidade acadêmica que estão sendo enfrentados com muita coragem por todos nós. Mas isso também tem sido uma dura lição.
O ICADS possui limitações e ainda precisa concluir a implantação dos cursos atuais. Temos déficit de vagas docentes, infraestrutura para pesquisa e ensino, assistência estudantil e espaços de convivência. Os cursos da área de saúde possuem uma relação docente/estudante muito baixa e exigem uma estrutura complexa de laboratórios e campos de prática. Seria necessário um esforço hercúleo do corpo acadêmico para atendermos plenamente um projeto acadêmico dessa natureza com as condições que dispomos atualmente. Também, consideremos que o curso de medicina não é implantado isoladamente. Poderão ser criados outros cursos em áreas afins ou mesmo um curso de bacharelado interdisciplinar em saúde para sustentação das atividades de ensino, pesquisa e extensão na área temática e não exclusivamente um único curso de graduação.
Penso que somente após a autonomia administrativa teremos capacidade orçamentária, política, acadêmica e organizacional para implantar não somente a área de saúde e o curso de medicina, mas de fomentar qualquer iniciativa de expansão do Campus Edgard Santos. Mas ressalto que o projeto de lei, 2204/2011 que cria a Universidade Federal do Oeste da Bahia ainda aguarda desde 17/11/2011, seis meses, o parecer da relatoria na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados.
O MEC autorizou a criação de 80 vagas para o curso de medicina em Barreiras, uma decisão difícil, porém acertada. A decisão do MEC é um aceno político. Mas aguardemos a manifestação do Conselho Universitário da UFBA sobre o assunto. As tratativas sobre a criação do curso de medicina deverão ser realizadas entre o Ministério da Educação e a reitoria da UFBA, a quem cabe neste momento qualquer manifestação oficial sobre o tema.
Que os ventos do ponderável soprem por entre os gabinetes dos que ponderam por uma educação pública de qualidade.
Cordialmente,
Prof. Poty Rodrigues de Lucena,
Universidade Federal da Bahia
Inst. de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável
Veja mais sobre a instalação da UFOBA e do campus de Luís Eduardo Magalhães aqui e aqui.
