Ode à Censura
De Walmir Ayala*
Censuremos a pornografia da fome,
do desemprego,
da indústria da educação,
da propaganda mentirosa.
A pornografia da violência policial,
da tortura,
das máscaras pré-eleitorais,
dos aumentos do leite e do pão.
A pornografia da irrealidade dos salários do Povo
e da irrealidade dos salários dos que decidem o mesquinho
salário do povo.
A pornografia da falta de solidariedade,
da demagogia com pés de lã,
da corrupção oficializada
do pseudomoralismo despistador.
A pornografia dos linchamentos,
da lentidão da justiça,
do olho vesgo da justiça,
do pedestal vazio da própria justiça.
A pornografia da justiça que se quer feita pelas próprias mãos.
A pornografia do medo, da insegurança,
das comissões que justificam o crime,
do variado preço da “cerveja”
com que se amansa o gato da fiscalização.
A pornografia do símbolo do leão
como carrasco dos que se equilibram perigosamente
na rede milionária dos impostos.
A pornografia da fábrica de mortos,
ou das mortes cinicamente adiadas
nos institutos da previdência social.
A pornografia das ricas reservas de ouro,
minério e petróleo,
caracterizando um país rico infestado de miséria.
Censuremos todas estas pornografias que nos aviltam
não a ingênua pornografia que pelos olhos ou pela imaginação
monta sua máquina monótona
no espaço supérfluo do nosso sonho.
Porto Alegre, Correio do Povo – Letras & Livros, 22 de maio de 1982.
* Walmir Ayala nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 4 de janeiro de 1933 e faleceu no Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1991. Em 1955 publicou seu primeiro livro, Face dispersa (poesia). Em 1956 transferiu sua residência para o Rio de Janeiro. Dedicou-se a vários gêneros literários: poesia, conto, romance, teatro, literatura infantil, diário íntimo, crônica, crítica (de artes plásticas, literatura e teatro). Dedicou-se também, intensamente, ao jornalismo: de 1962 a 1968 assinou no Jornal do Brasil uma coluna de literatura infantil. Nesse mesmo jornal, de 1968 a 1974, foi titular de uma coluna de crítica de arte, nessa atividade participou de vários juris nacionais e internacionais. Colaborou ainda com os jornais Folha de S.Paulo, Correio da Manhã, Jornal do Commercio, Última Hora, O Dia etc., e diversas revistas nacionais e internacionais. Em missão cultural do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, viajou pela Itália, Chile e Paraguai.
