Agência Publica denuncia assédio e ataque a jornalistas no Congresso

Por Natalia Viana, codiretora da Agência Pública

Na última terça-feira, um debate que deveria ser sobre o combate às notícias falsas na Câmara dos Deputados virou uma arena de ataque aos jornalistas. O objetivo era que a discussão sobre “Fake News” norteasse os deputados, autores de nada menos que 19 projetos que pretendem criminalizar quem cria desinformação. Mas não.

Um dos palestrantes, ligado ao MBL, foi convidado para a mesa apesar de ter sido penalizado pelo Facebook por compartilhar boatos de que a vereadora assassinada Marielle Franco era associada ao tráfico de drogas.

Pior: a sua página, Ceticismo Político, era mantida por um perfil falso, o que viola as regras da rede social e levou ao seu encerramento. Mas nada disso abalou Carlos Augusto de Morais Afonso, que usou a oportunidade para atacar as organizações de fact-checking Agência Lupa e Aos Fatos, fundadas por jornalistas mulheres.

Ambas fecharam parceria com o Facebook para checar as postagens denunciadas por usuários como suspeitas, avaliando se são falsas ou não.

Carlos Augusto se sentiu suficientemente à vontade para expor os resultados de um “dossiê” que preparou, vasculhando postagens pessoais de membros das duas organizações e também da Agência Pública, algumas de até 4 anos atrás, como prova de que seriam de “extrema esquerda” e, portanto, indignos de fazer fact-checking. Ou seja, expondo e atacando jornalistas por fazer jornalismo.

Trata-se de mais um capítulo em uma campanha arquitetada por membros do MBL e aliados, que se chama “Internet Livre” mas poderia ser chamada de “Campanha pelo direito de mentir no Facebook” ou “Campanha em prol das Fake News”.

Infelizmente, nossos nobres representantes parecem ter dado ouvidos a essa loucura. O pastor Takayama, do PSC, gastou 15 minutos atacando a jornalista Helena Borges, da Revista Época – segundo ele, uma “revista de esquerda” – e dizendo que sua reportagem O Exército de Pinóquios, sobre produtores de desinformação, tinha apenas a finalidade de desacreditá-lo, por ser ele cristão.

O deputado Ivan Valente, do PSOL, lembrou que a imprensa tradicional sempre espalhou mentiras, mas que os boatos chegaram a outro patamar; e encerrou com a pensata: “afinal, quem checa os checadores?” Uma frase que poderia ser traduzida em: “afinal, quem vai monitorar os jornalistas”?

Mas não acabou por aí. Carlos Augusto levou a tiracolo uma turma de jovenzinhos portando celulares e laptops enfeitados com adesivos do MBL, gravando atentamente tudo o que se passava.

Na saída, uma dessas jovenzinhas veio correndo atrás de mim, celular em riste, me chamando pelo meu nome ao longo de dois andares. Exigia que eu me explicasse por uma reportagem que fiz em maio do ano passado sobre a Venezuela. Que, ironicamente, conclui que numa sociedade polarizada, dizer a verdade é considerado uma traição.

No dia seguinte, o Câmara dos Deputados lançou uma Frente Parlamentar pelo Combate às Fake News, com 218 deputados e 11 senadores.

A julgar pelo que eu presenciei na casa do povo, corremos o risco de que ela se torne palco de uma verdadeira inquisição contra jornalistas.

 

Avatar de Desconhecido

Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

Deixe um comentário