Não há como ficar indiferente às cartas dos moradores do Complexo da Maré – que concentra comunidades cariocas assoladas pela violência policial. Reunidas pela ONG Redes da Maré e entregues ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na segunda-feira, as 1.500 cartas narram com simplicidade o sofrimento de viver cotidianamente sob violações de direitos humanos cometidas pelo Estado.
“O ruim das operações nas favelas é porque não dá para brincar muito. Também fica morrendo muitos moradores nas comunidades e também tem muita violência”, escreveu um estudante.
“O caveirão quando entra aqui é para nos matar. Ele não entra aqui para fazer uma simples intervenção. O Estado mata sonhos, mata vidas, mata o futuro de pessoas que um dia poderiam estar no lugar da senhora juíza”, escreveu um dos moradores dirigindo-se diretamente à juíza Regina Lúcia Chuquer, da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
A juíza Regina é responsável pela decisão que invalidou em junho a Ação Civil Pública da Maré, que estabelece medidas a serem seguidas em ações policiais para assegurar os direitos constitucionais das mais de 130 mil pessoas que vivem ali. Segundo a Defensoria Pública, no período em que as medidas tiveram em vigor, a letalidade por arma de fogo caiu 44% na Maré.
As cartas entregues ao TJ-RJ surtiram efeito, ao menos temporário. Na quarta feira, o TJ suspendeu o recurso da juíza garantindo medidas mínimas de proteção aos moradores – como a presença obrigatória de ambulâncias nas ações policiais, câmeras e GPSs nas viaturas e a criação de um protocolo entre autoridades de segurança e diretores de unidades de saúde e ensino.
“Quando nós chegamos na escola, ela está cheia de furo de tiro e toda revirada”, diz uma das cartas. “Um dia eu estava no pátio, fazendo educação física e aí, de repente, o helicóptero passou dando tiro para baixo. Aí, todo mundo correu para o canto da arquibancada, quando passou o tiro a gente correu para dentro da escola até minha mãe me buscar”, conta uma criança.
Os relatos assustadores da Maré, porém, não comoveram o governador do Rio, que disse que iria recorrer da decisão do TJ-RJ horas depois de anunciada.
Witzel não quer saber de qualquer tipo de limite às operações policiais. As mortes, para ele, são de responsabilidade de quem mora ali:
“Infelizmente a comunidade está tomada pelo crime organizado”, disse, justificando a violência das ilegalidades da ações policiais – como os disparos aéreos – estimuladas por seu governo.
Entre sexta-feira e a quarta-feira passada 15 pessoas foram mortas em operações policiais no Rio de Janeiro – entre eles, seis jovens negros e inocentes.
Como sublinhou a nota da OAB-RJ, que ofereceu assistência jurídica às famílias das seis vítimas: “Nenhum indicador de violência ou ‘propósito pacificador’ justifica incursões policiais que desprezem a vida humana, com corte de raça e classe tão eloquente”.
Por Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública, em sua newsletter das sextas-feiras.

