O presidente que se ufana da tortura

 Por Marina Amaral, codiretora da Agência Pública, em sua newsletter semanal.

A declaração abominável de Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet, morto sob tortura pelo regime Pinochet, revela mais do que o desprezo pelos presos e mortos – e por seus familiares – nas ditaduras do Cone Sul. Ao repetir a barbaridade que já havia dito a Dilma Rousseff e, mais recentemente, ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, Bolsonaro mostra que se ufana de crimes que nem o seu herói, Brilhante Ustra, torturador reconhecido pela Justiça brasileira, teve a coragem de assumir.

Chilenos, argentinos e uruguaios, que não perdoaram os crimes de seus governos ditatoriais, manifestam repúdio a Bolsonaro desde que ele assumiu. Macri perdeu popularidade na Argentina ao receber o apoio do presidente brasileiro. No Chile, a reação de Sebastian Piñera, criticando a agressão a Bachelet, mas não o golpe de Pinochet, foi considerada fraca por imprensa e autoridades.

Coube ao presidente do Senado, Jaime Quintana, expressar a rejeição à fala do presidente brasileiro em termos mais claros, dizendo que as afirmações de Bolsonaro “são tremendamente graves não só para a presidenta [Bachelet] como para a memória dos chilenos”.

Crimes hediondos têm de ser investigados e punidos para que não se perpetuem, como prova o caso brasileiro. Por aqui, a anistia que varreu para baixo do tapete até os crimes imprescritíveis e inafiançáveis – como a tortura -, a violência do Estado persiste na democracia. Notem: Bachelet não falou da ditadura, nem de política, apenas se referiu aos crimes perpetrados pelo Estado contra a população brasileira em 2019, o que é seu dever como alta comissária da ONU para Direitos Humanos.

Bachelet não disse nada novo. Apenas manifestou preocupação com as ameaças sofridas por defensores de direitos humanos e do meio ambiente (que reportamos todas as semanas) e com o aumento de mortos pela polícia.

“Entre janeiro e junho de 2019, só no Rio de Janeiro e em São Paulo, fomos informados que 1.291 pessoas foram assassinadas pela polícia, um aumento de 12% para 17% comparado com o mesmo período do ano passado”, declarou, destacando que a maioria das vítimas da polícia são negros que vivem em comunidades pobres. Também são eles os alvos preferenciais das milícias, organizações criminosas paramilitares que contam com o apoio público da família Bolsonaro.

Na mesma semana em que o presidente brasileiro barbarizava os chilenos, um garoto morador de rua foi cruelmente seviciado por dois seguranças de um supermercado paulista supostamente por furtar barras de chocolate. Sem medo de punição, os torturadores ainda postaram o vídeo hediondo nas redes sociais, orgulhando-se do feito. Os dois são funcionários de uma empresa de segurança que pertence à família de um tenente-coronel da PM aposentado, como revelou ontem a Ponte. Bolsonaro não se manifestou.

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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