No país da tortura

Por Marina Amaral, codiretora da Agência Pública, em sua newsletter semanal

Parece piada, mas não é. O Brasil e a Venezuela acabam de ser eleitos para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. A candidatura da Costa Rica, que se apresentou na última hora para tentar barrar um dos dois países, não conseguiu impedir que o governo Maduro, acusado de violações de direitos pela própria ONU, e o Brasil de Bolsonaro, apologista da tortura e recentemente denunciado por atrocidades nos presídios do Pará, obtivessem os votos necessários através de articulações políticas como revelou o jornalista Jamil Chade.

Na semana passada, mais de cem entidades se juntaram em uma articulação inédita, reunindo campos políticos opostos, contra a candidatura do Brasil, e enviaram uma carta para todos os governos pedindo que não dessem seus votos para o país “diante da ofensiva de Bolsonaro contra os direitos humanos e contra a democracia”. Entre os signatários estão desde organizações contrárias ao socialismo cubano até entidades de defesa de direitos LGBT, indígenas, defensores de direitos humanos e grupos da Igreja Católica, além de organismos internacionais como a Organização Mundial contra a Tortura, International Institute on Race, Equality and Human Rights ou a Washington Office for Latin America.

Na terça-feira desta semana deputados do PSOL pediram providências à ONU em relação à tortura “em escala industrial” implantada nos presídios do Pará pela Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária, comandada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Na denúncia, assinada por 17 dos 28 procuradores federais do Estado, o MPF relata atrocidades como empalamento pelo ânus, perfuração dos pés com pregos e práticas corriqueiras como obrigar os presos a ficarem dias a fio sentados numa quadra, nus e enfileirados, com a mão na cabeça e o joelho na testa, sem comida e tendo que fazer as necessidades fisiológicas no local por dias a fio.

O Brasil vem sendo seguidamente denunciado por tortura nas organizações internacionais – em especial nos presídios, mas há diferenças importantes nesse caso. “A gente convive com a tortura há muito tempo. Mas o que aconteceu no Pará foi muito grave porque foi comandado pelo Ministério da Justiça em uma intervenção federal feita depois de uma rebelião. E o resultado, denunciado por diversos servidores públicos, inclusive pelo Ministério Público Federal, é de uma tortura comandada, orquestrada, planejada”, observou o deputado federal Marcelo Freixo (Psol – RJ) que trabalha há muitos anos com o tema.

A reação do governo também mostra que as práticas criminosas tem o apoio de pessoas como o ministro Sergio Moro, responsável pela força policial acusada, que além de divulgar a nota do Depen do Pará negando a tortura, documentada pelos procuradores, tuitou: “A Ftip/Depen no Pará está realizando um bom trabalho, retomando o controle dos presídios que era do Comando Vermelho. Crimes caíram nas ruas por conta da ação. Presos matavam-se uns aos outros antes disso. Se houver comprovação de tortura ou maus tratos, os responsáveis serão punidos”.

Em junho, Bolsonaro já havia demitido todos os peritos do Mecanismo de Combate à Tortura que haviam relatado o uso de tortura em presídios do Ceará. Dessa vez, ele qualificou de “besteiras” as perguntas de jornalistas referentes ao caso do Pará. A apologia à tortura em declarações e gestos se traduz rapidamente em ações toleradas por uma população que vem sendo educada para a ideia perversa – e absolutamente falsa como se observa nos índices mundiais de violência –  de que a segurança pública se beneficia de crimes do Estado. É o que dá a entender o tuíte do ex-juiz Sergio Moro.

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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