A experiência amarga do Chile com a água privatizada: R$74 por mil litros.

Esta reportagem foi publicada pelo UOL em março de 2018

A família Valencia tem que pensar muito bem em que gasta sua água. Perto do antigo leito do rio Ligua, relembram o passado. “Muitos animais morreram, fomos obrigados a vender os animais, foi uma miséria pura”. A família de agricultores perdeu seus dez cavalos por falta d’água. “A gente teve que parar de lavar roupa para poder cozinhar.”

O problema da água presente em grande parte do território do Chile é muito visível na região de Petorca, no interior de Valparaíso. Nesta área, cultivam-se 4% dos abacates do país. Junto às terras secas dos pequenos agricultores encontram-se grandes superfícies verdes.

Rodrigo Mundaca, porta-voz da organização ecologista local Modatima (Movimento de Defesa da Água, da Terra e do Meio Ambiente), denuncia que as empresas produtoras agrícolas extraem a água das nascentes dos dois rios da área. Por isso, a água não chega as áreas povoadas da região.

“Em 20 anos, a região passou de 2.000 a 14.500 hectares de abacates; o negócio agro-exportador tem provocado uma feroz privatização da água na região desde 2007”, disse Mundaca ao UOL.

Carros-pipa abastecem casas Segundo a organização Modatima, não sai mais água de 80% das torneiras de Petorca. Na região moram 75.000 pessoas. O Estado providencia uma vez por semana água para a população por caminhões-pipa.

Quando insuficiente, os vizinhos têm que contratar eles mesmos um caminhão com água, o que custa caro: mil litros de água são vendidos por 14 dólares. A maioria da população da região (70%) ganha menos de 23 dólares por dia. A dificuldade financeira para comprar água é ainda pior porque, com a seca, parte da população perdeu sua principal fonte de renda, a agricultura e a pecuária. Os 50 litros diários de água que são entregues pelas autoridades não são suficientes para Verónica Vilches, moradora de San José.

A água não é bastante para beber, tomar banho, lavar louça, reclama ela. Segundo a Universidade Federal de São Paulo, a cota de água a que a chilena tem direito é o equivalente ao gasto em um banho de chuveiro de 5 minutos. “Eu não tenho o bastante para a água que eu consumo, mas realmente não tenho dinheiro para comprar mais, não tenho.”

Para Ingrid Wehr, representante da fundação Heinrich Böll no Chile, o problema está mesmo nas leis chilenas. “A Constituição chilena estabelece no artigo 19 que a água é um bem econômico, que pode-se comprar no mercado segundo a oferta é a demanda, é um caso único no mundo”. Para ela esse problema se estende ao longo de todo o território chileno.

“Na área central do Chile, os donos da água são as industrias agrícolas, no norte as mineradoras e no sul as hidrelétricas e as produtoras de madeira. Todos os rios do Chile têm dono”. Segundo Wehr, as empresas proprietárias das fontes de água do Chile têm a livre capacidade de fixar preços do líquido tanto para as grandes empresas como para as distribuidoras que atendem à população.

A situação se agrava pela falta de mecanismos reguladores que garantam a chegada de água para os chilenos. “Em nenhum artigo da legislação chilena aparece a preferência do consumo humano como preferencial frente à indústria, para esse verão temos uma previsão de meio milhão de chilenos que não terão acesso a água se não for através de caminhões” disse Wehr.

Segundo esses ativistas defensores da utilidade pública da água do Chile. o Estado chileno deve gastar anualmente 92.000 milhões de pesos (R$ 500 mil) com os caminhões-pipa de água.

A diferencia do país em relação à legislação de outros lugares, segundo associações ecologistas, é que no Chile os direitos sobre as águas podem-se vender, comprar ou herdar, tirando do estado a capacidade de regularização de esse elemento necessário pra a sobrevivência humana.

Prepare-se para comprar água. O que você paga hoje R$1,18 por m³, pagará R$74,00. Sessenta e duas vezes mais ou 6.200%. Quando hoje pagamos R$10,00 por um botijão de 20 litros, entregue em casa, poderemos estar pagando 20 ou 30 vezes mais, mas com a garantia da qualidade da Coca-Cola, entendeu?

Avatar de Desconhecido

Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

Deixe um comentário