É mais fácil Bolsonaro intervir no STF do que incomodar o coronavírus

Por Leonardo Sakamoto – Colunista do UOL

O Brasil está prestes a registrar 100 mil mortes por covid-19, um marco vergonhoso na guerra contra o coronavírus. Enquanto isso, o ministro interino da Saúde, que é um general, gasta tempo precioso recebendo defensores da aplicação de ozônio pelo ânus para tratar a doença.

Médicos e cientistas dizem que o método tem tanta eficácia comprovada para tratamento quanto ser bicado por emas.

Um governo coalhado de militares deveria ostentar capacidade de elaboração de estratégia para o enfrentamento à crise sanitária. Suas grandes batalhas, contudo, têm sido a terceirização da responsabilidade para o colo de prefeitos e governadores e o convencimento da população de que o inimigo é superestimado.

Agindo como um bom traidor, Bolsonaro vai conquistando territórios. Para o vírus.

Mas ao mesmo tempo em que demonstrou não ter interesse em liderar os atores públicos na articulação de um plano nacional de combate à doença, organizando a entrada e a saída do país em quarentenas e bloqueios totais, o que teria salvo a vida de milhares, o presidente foi bem rápido para planejar um autogolpe militar.

Reportagem de Monica Gugliano, na revista piauí, revela com detalhes como a Suprema Corte quase virou vinagre no dia 22 de maio deste ano. Irritado com a possibilidade de ter seu telefone e o de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, apreendidos no curso da investigação de uma notícia-crime, Jair disse a seus assessores diretos que iria baixar a borduna no Supremo Tribunal Federal.

O episódio lembra não apenas o fato de que vivemos com um candidato a tirano sentado no Palácio do Planalto, esperando uma chance, rodeado de viúvos da ditadura, militares e civis, mas também que Bolsonaro pode ser sim uma pessoa de ação – mas só quando isso diz respeito à preservação de seus interesses e os de seus filhos.

Se o presidente da República consegue tomar uma decisão de proporções apocalípticas, como mandar tropas para depor a cúpula de outro poder, ele não produz ações concretas diante do coronavírus por que não quer.

Aquilo que parece incompetência do governo no trato com a pandemia, portanto, é parte da estratégia do presidente de forçar os brasileiros a voltarem à vida normal, acreditando que isso levará a uma redução nas perdas do PIB.

Está mais preocupado com a situação da economia em 2022, fundamental para sua reeleição, do que com as vidas das pessoas hoje. Afinal, como ele mesmo diz, todo mundo morre.

Por fim, há um certo sadismo dentro do sadismo. Já temos que lidar com uma pandemia assassina que matou mais de 97 mil pessoas por aqui e com a ameaça de uma milícia tomar de assalto a democracia com um cabo e um soldado, para citar profética visão do deputado federal Eduardo Bolsonaro.

O pior é que, ainda por cima, temos que aguentar um presidente que deve rir da nossa cara ao empurrar as arritmias da cloroquina e os enjoos da nitazoxanida e analisar o ozônio no reto.

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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