Rússia testa uma inovação trocando carvão por aquecimento nuclear.

Do New York Times

Pevek, Rússia – A água era quente e abundante, e Pavel Rozhkov a deixou cair sobre o corpo, aproveitando um chuveiro que não é para os fracos: ele sentia na pele o calor produzido por uma reação atômica, vindo diretamente de um reator nuclear para sua casa. “Pessoalmente, não me preocupo”, garantiu.

Usina nuclear flutuante ancorada na cidade portuária de Pevek, Rússia, no Ártico, 8 de outubro de 2021. (Emile Ducke / The New York Times)© Distributed by The New York Times Licensing Group Usina nuclear flutuante ancorada na cidade portuária de Pevek, Rússia, no Ártico, 8 de outubro de 2021. (Emile Ducke / The New York Times)

Seu chuveiro era uma cortesia do aquecimento residencial nuclear, algo extremamente raro e introduzido na remota cidade siberiana de Pevek há apenas um ano. A fonte não é um reator típico com enormes torres de resfriamento, mas a primeira de uma nova geração de usinas nucleares menores e potencialmente mais versáteis – nesse caso, a bordo de uma barcaça flutuando lá perto, no Oceano Ártico.

Agora que países de todo o mundo se reúnem na Escócia para tentar encontrar novas maneiras de mitigar as mudanças climáticas, a Rússia adotou o aquecimento residencial nuclear como uma solução em potencial, esperando, ao mesmo tempo, que possa haver uma vantagem competitiva. Empresas nos Estados Unidos, na China e na França estão considerando construir pequenos reatores, do tipo conectado agora a Pevek.

“É muito animador”, disse Jacopo Buongiorno, professor de ciência nuclear e engenharia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Esses pequenos reatores, segundo ele, também poderiam aquecer estufas ou fornecer calor para fins industriais. Ele declarou que, ao concretizar a nova abordagem, “os russos estão à frente”.

O aquecimento residencial movido a energia nuclear é diferente dos outros aquecedores de água que funcionam com eletricidade gerada a partir de fontes nucleares. O aquecimento nuclear direto, experimentado em pequenos bolsões da Rússia e da Suécia, faz circular água entre uma usina e as casas, transferindo calor diretamente da fissão de átomos de urânio para as residências.

O aquecimento das casas com energia nuclear também tem benefícios ambientais, de acordo com os defensores da ideia. Em primeiro lugar, evita que se desperdice o calor que sai como vapor das torres cônicas de resfriamento de usinas nucleares; em vez disso, captura-o para uso no aquecimento residencial, caso os clientes aceitem bem a ideia.

Ainda assim, alguns especialistas estão preocupados com os riscos potenciais, apontando para os muitos vazamentos e acidentes em submarinos e navios soviéticos e russos que usavam pequenos reatores semelhantes. Submarinos nucleares afundaram em 1989 e 2000, por exemplo.

“É tecnologia nuclear, e o ponto de partida é necessariamente o perigo. É a única maneira de ver a questão”, comentou Andrei Zolotkov, pesquisador do grupo ambientalista norueguês Bellona.

A esposa de Rozhkov, Natalia Rozhkova, estava cética a princípio. Da janela da cozinha, eles conseguem ver a nova instalação nuclear, que fica a cerca de um quilômetro e meio de distância. Ela afirmou que “ficou preocupada nos dois primeiros dias” depois que seu apartamento foi conectado a um dos reatores; mas sua apreensão passou: “Tudo que é novo assusta. Mas alguém precisa ser o primeiro”, observou ela, acrescentando: “Éramos os mais próximos, por isso fomos conectados primeiro.”

O experimento na Sibéria, segundo Buongiorno, pode ter um papel vital em convencer outros países de que o uso da energia nuclear para limitar as mudanças climáticas exigirá seu uso para além de apenas gerar eletricidade, a fonte de cerca de um quarto das emissões de gases de efeito estufa. “A descarbonização da rede elétrica só vai garantir um quarto do caminho. O resto vem de todas essas outras coisas.”

Sim, mas uma ducha nuclear? Buongiorno disse que teria uma, mas admitiu que “obviamente isso não vai funcionar se as pessoas não se sentirem confortáveis com a tecnologia”.

O experimento com o aquecimento nuclear dificilmente faz da Rússia uma paladina das mudanças climáticas. Um dos maiores poluidores do mundo, o país adotou posições contraditórias sobre o aquecimento global, dos quais Pevek é um exemplo: ao mesmo tempo que está mudando seu aquecimento para a energia nuclear em substituição ao carvão, está se beneficiando das mudanças climáticas no Ártico, agora que as rotas marítimas se tornam mais navegáveis.

Usina nuclear flutuante ancorada na cidade portuária de Pevek, Rússia, no Ártico, 8 de outubro de 2021. (Emile Ducke / The New York Times)© Distributed by The New York Times Licensing Group. Usina nuclear flutuante ancorada na cidade portuária de Pevek, Rússia, no Ártico, 8 de outubro de 2021. (Emile Ducke / The New York Times)

A instalação nuclear em Pevek está a bordo da Akademik Lomonosov, barcaça do tamanho de um quarteirão. A ideia de pequenos reatores não é nova. Na década de 1960, antes que o movimento antinuclear ganhasse força, eles eram vistos como uma tecnologia promissora. Os Estados Unidos operaram um reator baseado em uma embarcação para eletrificar a Zona do Canal do Panamá de 1968 a 1976, e a Suécia usou aquecimento nuclear em um subúrbio de Estocolmo de 1963 a 1974.

Agora, dois outros locais na Rússia, além de Pevek, usam aquecimento residencial nuclear; no entanto, nesses casos, ele é um subproduto de grandes usinas de eletricidade.

Em breve, em Pevek, a sauna comunitária da cidade, ou banya, também será movida a energia nuclear. A Rosatom, companhia nuclear estatal russa, conectou os reatores aos tubos de aquecimento de um bairro em junho de 2020. Agora, está expandindo o serviço de água quente para toda a cidade, cuja população é de cerca de 4.500 habitantes.

Os residentes não podem optar por não receber calor movido a energia nuclear, mas, em geral, receberam bem a nova usina. Maxim Zhurbin, o vice-prefeito, declarou que não houve reclamações nas reuniões públicas antes da chegada da barcaça: “Explicamos à população o que aconteceria, e não houve objeções. Estamos usando o átomo pacífico.”

Irina K. Buriyeva, bibliotecária, comentou que apreciava o calor abundante e a eletricidade. Sobre os riscos de um vazamento de radiação ou explosão, ela disse: “Tentamos não pensar nisso, honestamente.”

A Rússia é a nação pioneira, mas não a única, no desenvolvimento de pequenos reatores. O presidente francês Emmanuel Macron propôs uma expansão do extenso setor nuclear de seu país com pequenos reatores como parte da solução para as mudanças climáticas. A China está construindo pequenos reatores flutuantes que usam o projeto russo como modelo.

Empresas nos Estados Unidos, incluindo a General Electric e a Westinghouse, têm vários projetos prontos para testes a partir de 2023. Em um exemplo extremo de miniaturização, as Forças Armadas dos EUA encomendaram um reator pequeno o suficiente para caber em um contêiner de transporte; duas empresas, a BWXT e a X-energy, estão competindo para entregar o dispositivo refrigerado a ar.

A Alemanha, contudo, tomou um caminho diferente: decidiu fechar todas as suas usinas nucleares depois do desastre de Fukushima no Japão em 2011.

Kirill Toropov, vice-diretor da usina nuclear flutuante em Pevek, afirmou que os benefícios já eram visíveis localmente, citando a neve menos suja com a fuligem do carvão. “Precisamos observar esse momento ecológico positivo.”

Segundo Rozhkov, de 41 anos, contador, que, assim como seus três filhos, toma banho em água nuclearmente aquecida há um ano, o uso de pequenos reatores em navios quebra-gelo russos fez com que confiasse na tecnologia. “Não estamos preocupados com o fato de que os detalhes ainda estão sendo trabalhados.”

Sua esposa afirmou que eles “acreditavam”, e acrescentou: “Há coisas que não podemos controlar. Só posso rezar por nossa segurança, pela segurança de nossa cidade. Sempre digo: ‘Deus, está em Tuas mãos.'”

c. 2021 The New York Times Company

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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