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Isabelle Gerretsen
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Role,BBC Future

CRÉDITO,NAILIA SCHWARZ/ALAMY. Os tubérculos aparentemente absorvem mais microplásticos do que frutas, legumes e verduras
A poluição causada pelo plástico é uma das consequências do nosso modo de vida moderno – mas, agora, ela já está afetando as frutas, legumes e verduras que fazem parte da nossa alimentação.
O microplástico já se infiltrou em todas as partes do planeta.
Ele já foi encontrado no gelo marítimo da Antártida, nos intestinos de animais marinhos que habitam as fossas mais profundas dos oceanos e na água potável em todo o mundo.
A poluição causada pelo plástico também foi encontrada em praias de ilhas remotas e desabitadas e aparece em amostras de água do mar de todo o planeta.
Um estudo estimou que existem cerca de 24,4 trilhões de fragmentos de microplástico nas camadas superiores de água dos oceanos da Terra.
Mas eles não são onipresentes apenas na água. Eles se espalharam totalmente pelo solo e podem até acabar nos alimentos que ingerimos. Ou seja, a cada garfada das nossas refeições, podemos estar inadvertidamente consumindo minúsculos fragmentos de plástico.
Em 2022, uma análise do Environmental Working Group – uma organização ambiental sem fins lucrativos – concluiu que o lodo de esgoto contaminou cerca de 81 mil km² de terras agrícolas nos Estados Unidos com substâncias per e polifluoroalquila (PFAS), também conhecidas como “poluentes orgânicos persistentes”.
Estes poluentes são frequentemente encontrados em produtos plásticos e não se decompõem sob condições ambientais normais.
O lodo de esgoto é o subproduto da limpeza da água servida dos municípios. Como seu descarte é caro e ele é rico em nutrientes, o lodo normalmente é utilizado como fertilizante orgânico nos Estados Unidos e na Europa.
No continente europeu, isso se deve, em parte, às normas da União Europeia para promover a economia circular na gestão de resíduos. Estima-se que 8-10 milhões de toneladas de lodo de esgoto sejam produzidas na Europa anualmente e cerca de 40% dessa quantidade é aplicada em terras agrícolas.
Esta prática pode ter feito com que as terras agrícolas europeias se tornassem o maior reservatório global de microplásticos, segundo um estudo de pesquisadores da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. Cerca de 31 a 42 mil toneladas de microplásticos – correspondentes a 86 a 710 trilhões de partículas de microplásticos – contaminam as terras agrícolas da Europa todos os anos.
Os pesquisadores concluíram que até 650 milhões de partículas de microplásticos, medindo de 1 a 5 mm, entram em uma instalação de tratamento de esgoto no sul do País de Gales todos os anos.
Essas partículas acabam no lodo de esgoto, compondo cerca de 1% do seu peso total, em vez de serem liberadas com a água limpa.
A quantidade de microplásticos que acaba em terras agrícolas “provavelmente é subestimada”, segundo Catherine Wilson, uma das autoras do estudo e vice-diretora do Centro de Pesquisas Hidroambientais da Universidade de Cardiff.
Ela afirma que “os microplásticos estão em toda parte e [muitas vezes] são tão minúsculos que não conseguimos vê-los”.
E os microplásticos também podem permanecer ali por muito tempo.
Um estudo recente de cientistas do solo da Universidade Philipps de Marburgo, na Alemanha, encontrou microplásticos até 90 cm abaixo da superfície em dois campos de produção agrícola onde lodo de esgoto havia sido aplicado 34 anos antes.
E o uso de arado também fez com que o plástico se espalhasse para áreas onde o lodo não havia sido aplicado.
CRÉDITO,RJ SANGOSTI/THE DENVER POST/GETTY IMAGES. A aplicação de lodo de esgoto ou biossólidos aos campos agrícolas é uma prática comum em muitas partes do mundo
A concentração de microplásticos no solo de áreas agrícolas na Europa é similar à quantidade encontrada nas águas da superfície dos oceanos, segundo James Lofty, o principal autor do estudo de Cardiff e estudante de pesquisa em PhD do Centro de Pesquisas Hidroambientais.
O Reino Unido detém algumas das maiores concentrações de microplásticos da Europa, com 500 a 1 mil partículas de microplástico sendo espalhadas em terras agrícolas todos os anos, segundo a pesquisa de Wilson e Lofty.
Lofty acrescenta que, além de criar um grande reservatório de microplásticos em terra, a prática do uso de lodo de esgoto como fertilizante também exacerba a crise do plástico nos nossos oceanos.
À medida que a chuva carrega a camada superior do solo para os rios ou causa sua infiltração no lençol freático, os microplásticos, em algum momento, acabam atingindo os cursos d’água.
“A principal fonte de contaminação [de plástico] nos nossos rios e oceanos vem do escoamento [da água]”, afirma ele.
Outro estudo, de pesquisadores de Ontário, no Canadá, concluiu que 99% dos microplásticos foram transportados do local onde o lodo foi depositado inicialmente para ambientes aquáticos.
Contaminação ambiental
Antes de serem levados pela água, os microplásticos podem deixar substâncias tóxicas no solo.
Eles são feitos de substâncias potencialmente prejudiciais que podem ser liberadas para o meio ambiente à medida que se decompõem e também podem absorver outras substâncias tóxicas, essencialmente permitindo que elas peguem carona para as terras agrícolas, onde podem ser absorvidas pelo solo, segundo Lofty.
Um relatório da Agência Ambiental do Reino Unido, revelado pelo grupo ativista ambiental Greenpeace, concluiu que o lodo de esgoto destinado às terras agrícolas inglesas estava contaminado com poluentes, incluindo dioxinas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, em “níveis que podem apresentar risco para a saúde humana”.
Em 2020, outro experimento, realizado pela agrônoma Mary Beth Kirkham, da Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, concluiu que o plástico serve de vetor para a absorção de substâncias tóxicas pelas plantas, como o cádmio.
“Nas plantas onde havia cádmio no solo com o plástico, as folhas de trigo apresentaram muito, muito mais cádmio do que as plantas que cresceram sem plástico no solo”, afirmou Kirkham na época.
Outras pesquisas também demonstram que os microplásticos podem prejudicar o crescimento das minhocas e fazer com que elas percam peso.
Os motivos dessa perda de peso não são totalmente conhecidos, mas uma teoria é que os microplásticos podem obstruir o trato digestivo das minhocas, limitando sua capacidade de absorver nutrientes e, com isso, reduzindo seu crescimento.
Isso também causa impactos negativos ao meio ambiente, segundo os pesquisadores, já que as minhocas desempenham um papel fundamental na manutenção da saúde do solo.
Os túneis cavados por elas permitem a aeração do solo, evitam a erosão, aumentam a drenagem da água e reciclam nutrientes.
Partículas de plástico também podem contaminar diretamente os produtos alimentícios. Um estudo de 2020 encontrou microplásticos e nanoplásticos em frutas, legumes e verduras vendidas em supermercados e por vendedores locais em Catania, na Itália.
Entre as frutas, as maçãs foram as mais contaminadas, enquanto as cenouras apresentaram o maior nível de microplásticos entre os outros vegetais da amostra.
Segundo as pesquisas de Willie Peijnenburg, professor de toxicologia ambiental e biodiversidade da Universidade de Leiden, na Holanda, os produtos agrícolas absorvem partículas de nanoplásticos – fragmentos minúsculos que medem de 1 a 100 nm e são cerca de cem a mil vezes menores que um glóbulo sanguíneo humano – da água e do solo ao seu redor, através de rachaduras minúsculas nas suas raízes.
Análises revelaram que a maioria dos plásticos acumula-se nas raízes das plantas e apenas uma quantidade muito pequena viaja até os brotos. “A concentração nas folhas está bem abaixo de 1%”, segundo Peijnenburg.
CRÉDITO,ARIS MESSINIS/AFP/GETTY IMAGES. Minúsculos fragmentos de plásticos das roupas, cosméticos ou de plásticos maiores que se decompõem podem chegar facilmente ao solo e aos cursos d’água



