
Uma investigação jornalística conduzida pelo UOL trouxe à tona graves indícios de desvio de recursos públicos em projetos sociais financiados por emendas parlamentares do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e da deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), ambos aliados da extrema-direita.
Os recursos, destinados a iniciativas de futebol infantil em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, teriam sido mal utilizados em compras superfaturadas de chuteiras e acessórios esportivos, sem comprovação de entrega aos beneficiários.
O caso, revelado nesta segunda-feira (22/set), ganha contornos ainda mais sombrios com conexões a figuras envolvidas no assassinato da vereadora Marielle Franco, ampliando o escândalo para além das irregularidades financeiras.
O epicentro das suspeitas é o Instituto de Formação Profissional José Carlos Procópio (Ifop), uma ONG fundada em 2008 e presidida desde 2022 pelo advogado José Rômulo Oliveira Alves.
Até 2023, a entidade nunca havia recebido verbas públicas, mas, após parcerias firmadas com o Ministério do Esporte, captou milhões em emendas.
No projeto “Jogadores do Futuro”, financiado com R$ 200 mil da emenda de Flávio Bolsonaro (liberados entre março de 2023 e fevereiro de 2024), R$ 30,7 mil foram gastos na aquisição de 212 pares de chuteiras e porta-chuteiras.
No entanto, pais de alunos entrevistados pelo UOL confirmaram que os itens nunca foram distribuídos.
Relatórios internos da ONG registram crianças e jovens participando das atividades com “chuteiras sem padrão, tênis e chinelos”, evidenciando a ausência de materiais prometidos.
Além da falta de entrega, os valores pagos revelam superfaturamento alarmante. Uniformes, camisas, calções, meias e coletes foram adquiridos por preços até o dobro dos praticados no mercado, gerando um prejuízo estimado em R$ 52,8 mil — mais de um quarto do total da emenda.
A fornecedora, TH3 Comércio e Serviços, sediada no apartamento de Thamyres Pessoa Gonçalves Corrêa em Nova Iguaçu (RJ), recebeu R$ 77,2 mil desse montante.
A empresa, sem histórico relevante no setor de artigos esportivos, também faturou R$ 116,9 mil do projeto “Vencedores do Futuro”, bancado com R$ 300 mil da emenda de Chris Tonietto (liberada em novembro de 2023).
Nesse segundo caso, 320 chuteiras e 313 porta-chuteiras custaram R$ 46,1 mil, enquanto uma cotação independente do UOL apontou preços 58% inferiores.
O desvio total aqui chega a R$ 80 mil, novamente cerca de um quarto da verba. A TH3 não é um nome isolado nas irregularidades. Notas fiscais indicam a compra de 2.480 camisetas para um projeto que atendia apenas metade desse número, a R$ 52 cada — valor mais que o dobro do mercado.
Thamyres Pessoa Gonçalves Corrêa, diretora da empresa, também preside o Instituto Educarte, que recebeu R$ 4 milhões em emendas do ex-deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ), preso desde março de 2024 por suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.
O Ifop captou ainda R$ 1,5 milhão de Chiquinho Brazão para aulas de informática na Baixada Fluminense, aprovado em dezembro de 2023.
O título de utilidade pública da ONG foi concedido pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro graças a um projeto do vereador Waldir Brazão, irmão de Chiquinho e também réu no caso Marielle.
Mensagens de novembro de 2024, obtidas em apurações do homicídio de Marielle, sugerem pressões para manter os projetos do Ifop, envolvendo assessores de Flávio Bolsonaro e Chiquinho Brazão.
A sede da ONG, em um prédio comercial no centro do Rio, foi encontrada fechada durante visita recente do UOL.
Já o BNews enfatizou o contexto de Jacarepaguá, notando que “pais de crianças confirmaram que o material não foi distribuído”.
Segundo o site, Flávio Bolsonaro não se manifestou sobre as acusações. Já Chris Tonietto defendeu-se em nota: “Qualquer questão relacionada a eventual sobrepreço em aquisições foi objeto de auditoria e análise do próprio Ministério do Esporte, etapa da qual o gabinete não participa.”
O Ministério do Esporte informou que os projetos estão sob análise técnica, com possibilidade de notificações formais. O Ifop alegou que as compras seguiram cotações de preços, mas não esclareceu a ausência de comprovação de entregas.
O escândalo ecoou em veículos nacionais, com coberturas atualizadas no mesmo dia da revelação inicial. O portal Brasil 247 destacou os R$ 30,7 mil em chuteiras não entregues, reforçando que “o prejuízo estimado apenas nesse projeto ultrapassa R$ 52 mil”.
O jornal A Tarde corroborou os indícios de desvio, citando a falta de histórico público da ONG antes de 2023.
Até o momento, não há atualizações, mas o caso pode ganhar tração com possíveis investigações da Polícia Federal ou do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente diante de inquéritos sobre desvios de emendas que envolvem parlamentares bolsonaristas.
Esse episódio reforça preocupações recorrentes sobre a fiscalização de emendas parlamentares, mecanismo que, desde o “orçamento secreto” de 2021, tem sido alvo de denúncias de corrupção.
Especialistas em transparência pública alertam que casos como esse minam a confiança nas instituições e demandam ações rápidas do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF) para recuperar os recursos desviados e punir os responsáveis.
Editado por Urbs Magna
