Memórias misturadas

A reprodução de um vídeo, pela Globo, com Armando Nogueira, contando as suas memórias nos anos de chumbo me trouxe recordações gratificantes, de quando se fazia um bom jornalismo apesar da ditadura. Conta Armando Nogueira que a relação com os militares era surreal: recebia, na redação, um telegrama da Polícia Federal afirmando que era proibida noticiar a morte de Lamarca, por exemplo. “Assim, diz o jornalista falecido ontem, ficávamos sabendo da morte do guerrilheiro, mas nada podíamos noticiar.” Lembrei-me, então, do texto que abria os telegramas da Polícia Federal: “Está proibida, no todo ou em parte, a reprodução dos seguintes telegramas”. E enumerava, então os telegramas da Associedt Press – AP, da Associated France Presse – AFP, da Reuters, da United Press International- UPI, da Agência Jornal do Brasil – AJB e da Agência Estado – AE.

Em certa oportunidade, reproduzi um editorial do Le Monde na página de Internacional da Zero Hora, de Porto Alegre, que analisava a alta da mortalidade infantil nos governos da ditadura, lá pelo final dos anos 60. Mesmo o editorial não estando no index da Polícia Federal, convidaram-me, através de um telefonema ao meu editor, a comparecer na Rua Paraná, sede da famigerada em Porto Alegre. No outro dia peguei um avião e, prudentemente, encetei viagem de quatro meses para Rondônia, Acre e Amazonas. Quando voltei a Porto Alegre já tinham me esquecido.

Vai, Armando, ser maior ainda, lá em cima!

E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.

Este era Armando Nogueira, o jornalista que todos nós, uma geração inteira de escrevinhadores, tentamos tão canhestramente imitar.