Jornalista e fonte: ligações perigosas

Por Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

Dia desses vi ressuscitada nas redes de direita uma reportagem que fiz entre 2011 e 2012, nos primórdios da Pública, com um ex-delegado do DOPS, João Paulo Bonchristiano, fruto de seis meses de conversa no apartamento dele no Brooklyn. Os posts que a traziam para 2019 destacavam frases em que ele louvava o extermínio de “bandidos” (categoria que abarcava os “comunistas”) e concluíam: “obviamente a jornalista queria falar mal do delegado, mas ele tinha razão”.

Fiquei pensando como o Brasil mudou nesses sete anos, e o quanto isso estaria relacionado à Comissão da Verdade, instalada em maio de 2012 por Dilma, presa e torturada pela ditadura. O general Sérgio Etchegoyen, que depois se tornaria o homem forte do governo Temer, foi um dos militares que protestaram contra as investigações da Comissão, que confirmaram o assassinato de 434 pessoas e a tortura de 1.843 presos políticos pelos órgãos da repressão, como o DOPS de Bonchristiano.

Era esse o gancho da reportagem, como expliquei ao ex-delegado que imediatamente afirmou que não iria depor na Comissão porque não era “dedo duro”, sinalizando os limites também para a entrevista que daria para mim. Propus então que ele só respondesse às perguntas que quisesse, desde que tudo fosse gravado. Ávido por rememorar suas façanhas no DOPS, ele aceitou, e até foi buscar uma foto em que aparecia ao lado do cantor Roberto Carlos, de quem “fazia a segurança”, afirmou.

Minha intenção era fazer o perfil de um agente da repressão e exibi-lo aos olhos da sociedade do século 21, então no auge da democracia. Para isso, bastava que ele ficasse à vontade, mantendo o ritmo quase terapêutico dos nossos encontros – sempre às terças feiras à tarde, quando a mulher, desconfiada da jornalista desde o início, não ficava em casa. Para quem estava acostumado aos “teatrinhos” do DOPS – as histórias inventadas em inquéritos e BOs para encobrir assassinatos e sequestros -, mentir é moleza, e o dr. Paulo era um bom ator. Mas todo homem – mesmo aquele que mandava um policial torturador buscar a filha pequena na escola (ela morria de medo dele, me confidenciou a esposa, em um momento de franqueza) – tem o seu ponto fraco, e o de Bonchristiano, como o de tantas fontes, era a vaidade. E a carteira.

Aposentado aos 53 anos, ele recebia 11 mil reais mensais. E queria mais. A todo encontro, tentava me persuadir a escrever sobre um projeto de equiparação de salários da polícia civil com o Ministério Público, que acabou recusado na Assembléia antes da conclusão da reportagem. As entrevistas se encerraram pouco depois quando, sem aviso ou explicação, o dr. Paulo reproduziu uma conversa que tive com meu filho pelo celular para me comunicar que eu estava grampeada – acho que ele também estava. Parece que havia mais gente além da mulher dele preocupada com o quanto Bonchristiano estava falando à jornalista.

Por fim, as mais de 15 horas de conversas gravadas renderam revelações (depois que confrontadas com outras fontes), como a relação cotidiana dos agentes americanos com o DOPS, a montagem da Polícia Federal em São Paulo com dinheiro do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, os detalhes da prisão dos estudantes da UNE em Ibiúna.

O mais importante, porém, foi levar aos leitores o retrato de um agente da repressão no momento em que se iniciava a Comissão da Verdade e os Levantes da Juventude cercavam as casas dos torturadores para denunciá-los à sociedade.

Embora seu nome não conste das listas de torturadores, o dr. Paulo acobertava e aplaudia os crimes praticados na “repartição” – até assistia à retirada clandestina dos corpos.

Seu papel era assinar inquéritos com fatos que sabia distorcidos ou falsos, conduzir pessoas visivelmente torturadas em diligências, trocar informações com os agentes da CIA no Brasil e atuar como uma espécie de Relações Públicas, do DOPS, como descreveu o jornalista Percival de Souza.

Quando a matéria foi publicada, recebi um telefonema indignado de sua mulher, acusando-me de usar “a vaidade de um velho” para escrever uma reportagem de sucesso.

Respondi que ele havia falado livremente, com o gravador à mostra, e que escrever o que considerava de relevância pública era meu ofício. Mas fiquei abalada – não se frequenta a casa de alguém por tanto tempo impunemente.

Só sosseguei quando recebi um e-mail de uma neta de Bonchristiano agradecendo a reportagem. O mistério que sempre rondou a figura do avô, ela disse, finalmente estava esclarecido e, por pior que fosse, ela agora conseguia perdoá-lo. Ela e sua tia, a menina que era buscada na escola pelo torturador, defenderam a instalação da Comissão da Verdade nas redes sociais.

O próprio Bonchristiano, me disse uma colega, colaborou com investigações da comissão em São Paulo. E até mandou um recado dizendo que estava com saudade de nossas conversas.

Não posso dizer o mesmo. As atrocidades ditas por Bonchristiano se tornaram quase banais no país de Bolsonaro.

Mas sinto saudade do país que buscava a verdade com a mesma coragem da filha e da neta do ex-delegado. A luz do sol continua a ser o melhor desinfetante.

JK foi assassinado, ao contrário do que diz a Comissão da Verdade

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O artigo de autoria de Gilberto Natalini* dá uma ideia, ampla ideia, de como agia a repressão e a conspiração nos anos de chumbo. Juscelino foi imolado em “acidente” de carro, assim como Jango e Lacerda, todos candidatos a uma eventual substituição ao ditador de “serviço”.

Ao contrário do que sustenta a Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-presidente Juscelino Kubitschek não morreu em acidente de trânsito, mas foi assassinado pela ditadura militar. O levantamento federal despreza evidências, testemunhos e provas da investigação da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog (CMVVH) de São Paulo, de onde JK saiu para morrer em 22 de agosto de 1976, após cruzar a divisa São Paulo – Rio de Janeiro, na rodovia Presidente Dutra.

Em artigo neste espaço (“JK, assassinato ou acidente?“, 28/4), José Paulo Cavalcanti Filho, da CNV, escreveu que o desastre ocorreu numa reta. JK morreu após sequência de quatro curvas, sendo que a última, em leve aclive à direita, não foi completada pelo motorista do presidente, Geraldo Ribeiro. E nada justifica que o experiente Ribeiro fizesse manobra arriscada, ultrapassando um ônibus pela direita em curva, a não ser extrema emergência.

Quase 38 anos depois, a CNV ressuscita “investigação” da ditadura que responsabilizou o motorista da Viação Cometa, Josias Nunes de Oliveira. Segundo a acusação, o ônibus bateu no automóvel, lançando-o desgovernado para a outra pista, onde colidiu contra um caminhão.

A CNV menosprezou os testemunhos dos passageiros do ônibus que, unanimemente, informaram não ter havido choque com o Opala de JK. Oliveira foi absolvido na década de 1970 em dois julgamentos nos quais a acusação ousou apresentar laudo de tintas sem assinatura.

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Em sua “investigação”, a CNV não leva em conta que JK e Ribeiro morreram três minutos após deixarem o hotel-fazenda Villa-Forte, cujo proprietário era o brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, um dos criadores do Serviço Nacional de Informações (SNI), ligado ao então ministro da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, e ao chefe do SNI em 1976, general João Baptista Figueiredo. Assim como a CNV, autoridades policiais do Rio jamais investigaram a parada de JK no hotel.

Candidato declarado

Na perícia da ditadura, o lado esquerdo da traseira do Opala está intacto em fotografia da noite do “acidente”, mas danificado no dia seguinte, para justificar a batida, após uma troca estranha de peritos.

Em depoimento à CMVVH, ignorado pela CNV, o jornalista Ivan Machado, que cobriu o “acidente”, relatou que policiais rodoviários alteraram a posição do Opala na Dutra, antes da perícia, cumprindo ordens.

Em suas conclusões, a CNV elogia a Polícia Civil e o Instituto de Criminalística do Rio de Janeiro, que “não mediram esforços para elucidar o acidente”, mas não emite parecer, por exemplo, sobre a falta de radiografias no cadáver de Ribeiro.

A CNV manteve-se alheia à ameaça de morte à jornalista que reportou que Sarah Kubitschek, viúva de JK, acreditava no assassinato do marido. Da mesma forma, deixou de lado declaração do motorista da Viação Cometa sobre a oferta de suborno que recebeu para assumir a responsabilidade pela morte de JK.

Outro depoimento ao qual a CNV fez vistas grossas foi o do motorista Ademar Jahn, que declarou ter visto o motorista de JK com a cabeça caída entre o volante e a porta do Opala antes do choque com o caminhão. Ou seja, Ribeiro não completou a curva à direita, e o Opala seguiu descontrolado para a contramão da Dutra porque, provavelmente, o motorista já estava sem vida.

O “Relatório JK”, da CMVVH, traz 103 itens que demonstram o assassinato de JK. Em seu depoimento, Carlos Heitor Cony relata ter apurado que, ao deixar o estacionamento do hotel-fazenda Villa-Forte, Ribeiro estranhou o Opala e indagou se alguém havia mexido no veículo.

Para provar que não ocorreu sabotagem, a Polícia Civil do RJ apresentou os destroços do carro para nova perícia em 1996. Descobriu-se depois que o Opala examinado tinha número do motor diferente do Opala que conduzia JK. A perícia foi feita em outro veículo.

Em 1976, JK dava os primeiros passos para se candidatar a presidente. Morto JK, o eleito foi o general João Baptista Figueiredo, o mesmo que havia sido aluno do brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte.

*Gilberto Natalini, 62, é médico, vereador (PV-SP) e presidente da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog de São Paulo

Comissão da Verdade devolve amanhã mandatos de deputados baianos cassados em 64

Deputado Marcelino Galo, Inácio Gomes, Waldir Pires e Joviniano Neto na oitiva de Luiz Leal.
Deputado Marcelino Galo, Inácio Gomes, Waldir Pires e Joviniano Neto na oitiva de Luiz Leal.

A Comissão Especial da Verdade da Assembleia Legislativa da Bahia, presidida pelo deputado estadual Marcelino Galo (PT), promove nesta quarta-feira (19), às 11h, uma audiência pública com a presença de diversas entidades que trabalham nas pesquisas e investigações sobre o período do golpe militar. O objetivo é debater os preparativos e mobilização para a sessão solene que devolverá, simbolicamente, no dia 31 deste mês, os mandatos dos deputados estaduais baianos cassados na época da ditadura militar (1964-1985). O encontro acontece na Sala Jairo Azi, na Assembleia Legislativa, e contará com a participação da Comissão Estadual da Verdade, das Comissões Municipais da Verdade de Feira de Santana e Vitória da Conquista, além da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB) e da Comissão de Memória e da Verdade da Escola de Direito da UFBA. O ato promovido pela Comissão Especial da Verdade, de acordo com Marcelino Galo, é em cooperação com a Fundação Pedro Calmon, que desenvolve uma análise sobre o golpe militar e os seus efeitos para a sociedade brasileira.

JK assassinado, diz comissão da verdade

A Comissão Municipal da Verdade de São Paulo informou nesta segunda-feira (9) que o relatório a ser divulgado amanhã traz evidências de que o ex-presidente Juscelino Kubitschek, morto em um acidente de carro em 1976, teria sido assassinado pela ditadura militar em 1976 durante viagem de carro, e não em um acidente de carro, como diz a história oficial.

“Não temos dúvida de que Juscelino Kubitschek foi vítima de conspiração, complô e atentado político”, afirma o vereador Gilberto Natalini, presidente da Comissão Municipal da Verdade.

As circunstâncias da morte do presidente são investigadas pelo órgão municipal. O relatório, de 29 páginas, se baseia em depoimentos de testemunhas e inclui mais de 90 “indícios, evidências, provas, testemunhos, circunstâncias, contradições, controvérsias e questionamentos” de que JK foi vítima de um complô planejado por militares quando viajava pela Rodovia Presidente Dutra, próximo a Resende (RJ).

Pela versão oficial, o ônibus teria batido levemente no automóvel que, desgovernado, chocou-se com o caminhão.

Maria Lúcia, em foto atual.
Maria Lúcia, em foto atual.

Em 1964, com o golpe militar, Juscelino perdeu o mandato de senador e teve direitos políticos suspensos. Nos anos seguintes, tentou organizar uma frente pela redemocratização do país, junto com Carlos Lacerda e João Goulart, mas não voltou mais ao poder.

A família de JK fez questão de abafar a investigação, porque o ex-presidente se dirigia à casa da amante, Maria Lúcia Pedroso, seu caso de maior duração. Ela esteve com JK por 20 anos.

Em junho deste ano, Maria Lúcia leiloou mais de 100 itens do antigo apartamento da avenida Atlântica, onde firmou fama como uma anfitriã de muita classe. O amor começou durante um jantar em Copacabana, em 1958, quando Juscelino conheceu Lúcia, então casada com o deputado José Pedroso. Os dois dançaram quase toda a noite e passaram a se encontrar depois que ele a convidou para um chá no Palácio do Catete.

 

Comissão da Verdade quer polícia mais civilizada.

A Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, vai recomendar ao governo mudanças na estrutura das forças policiais militares dos Estados. O objetivo é torná-las menos militarizadas e mais adaptadas ao regime democrático e ao exercício da cidadania. O assunto já vinha sendo analisado internamente pela comissão. Mas ganhou destaque nos últimos dias, com os relatos de violência cometidos por policiais militares contra manifestantes que foram às ruas em diferentes partes do país. “Esse tema vai aparecer, certamente, no capítulo das recomendações finais da comissão”, disse a coordenadora do grupo, a advogada Rosa Maria Cunha. Segundo ela, a adaptação de forças policiais e militares tem sido um tema constante nos debates sobre a transição de regimes autoritários para a democracia. “Outras comissões já se pronunciaram sobre democratização das forças armadas e das polícias”, declarou.

“Até aqui o direito de manifestação ainda se mostra como um direito superior. Os governantes estão fazendo críticas ao comportamento autoritário, hostil e até letal da polícia. Mas é importante que isso seja mantido em situações mais extremas”, ponderou. O primeiro passo para a democratização das polícias militares e das Forças Armadas, segundo a advogada, é a modernização dos currículos das escolas de formação. Outra iniciativa seria ampliar o acesso dos policias a universidades públicas. Do Bahia Notícias.

A melhora das polícias militares do País passa por um ponto importante: salário e formação. Não se pode esperar de um policial que ganha R$800,00 mensais, como é o caso do Rio Grande do Sul, que tenha sólida formação, ainda mais universitária. Para alguns, a polícia de poucas luzes e que só sabe bater é útil e cumpre suas funções sob forte sentimento de hierarquia. Um exemplo de transformação: a Polícia Rodoviária Federal, exemplo de educação, ausencia de corrupção e eficácia. Só que o salário inicial é de R$6.000,00. Dá pra entender?

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Um veemente protesto contra a tortura de ontem e hoje

Rubens Paiva com a mãe, a mulher e os filhos
Rubens Paiva com a mãe, a mulher e os filhos

Vera Paiva, filha do deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar, e hoje professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, publica, no Estadão, importante libelo contra a tortura e a ausência do Estado de Direito. No artigo, ela compara a “guerra civil” de nosso País com as guerras do Afeganistão e da Síria e o número de mortes dos três conflitos, superados de longe pelo brasileiro. Ela diz, na conclusão de seu artigo:

“Espero que as novas gerações pensem com sua cabeça, enfrentem a memória histórica, recusem a mentira e teorias autoritárias do “mal necessário”. No mundo que desejo construir para meus netos, militares e policiais deixariam de proteger a cultura da tortura, e a violência não ficaria impune pelas mãos de operadores de direito; os que têm algo a dizer perderiam o medo, usariam o direito ao sigilo garantido pela Comissão da Memória e da Verdade para trazer a paz e fazer o bem.”

Leia a íntegra do artigo clicando no link acima. 

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A Comissão da Verdade vai analisar os crimes de agora?

A presidenta Dilma Rousseff sancionou agora pela manhã, o projeto que cria a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação, que facilita a obtenção de dados do governo e acaba com o sigilo eterno de documentos públicos. A Comissão da Verdade irá apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988 – período que inclui a ditadura militar – e terá dois anos para produzir um relatório com conclusões e recomendações sobre os crimes cometidos.

Daqui a 10 anos teremos a comissão da verdade que analisará o fenômeno da corrupção, da roubalheira, da mais valia, da concussão, da negociata e da gestão em proveito próprio, em todas as esferas do poder público. Quem sobreviver, verá. Os anos do PT no poder são pródigos na sacanagem. Outros anteriores também foram.