Alvo de reclamação no CNJ, Juíza se diz “perseguida” pelo TJBA

Caso envolve decisões suspeitas que transferiram 366 mil hectares no Oeste da Bahia a um grileiro de terras.

Juíza se diz perseguida pelo Tribunal de Justiça da Bahia

Alvo de reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza Marivalda Almeida Moutinho afirmou que está sendo “perseguida” pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). De acordo com ela, a corte estaria jogando em seu colo a responsabilidade por tarefas que deveriam ser desempenhadas por outros juízes.

A afirmação foi feita em resposta a requerimento de explicações encaminhado pela Corregedoria do TJBA a pedido do CNJ, dentro de uma reclamação disciplinar apresentada contra o presidente do TJBA, Gesivaldo Britto, e as juízas Marivalda Moutinho e Eliene Oliveira.

“Note-se ainda que esta magistrada sempre foi zelosa e célere no exercício da magistratura, não tendo praticado nenhum ato que venha a desabonar sua conduta sendo fato público e notório da sua honestidade profissional mas que este Tribunal de Justiça insiste em persegui-la ao lhe atribuir responsabilidade pela prática de conduta de terceiros”, afirmou Marivalda Moutinho em documento encaminhado à corregedoria.

Na reclamação disciplinar, o presidente do TJ-BA é acusado de irregularidades na designação de juízes para atuar nas comarcas de Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, no Oeste do Estado.

Marivalda Moutinho, que atuava como substituta de segundo grau em Salvador, foi designada para despachar a partir de 19 de novembro de 2018 em Formosa do Rio Preto, que fica a mais de mil quilômetros de distância da capital.

Em 14 dias, ela deu uma controversa sentença em um processo com mais de 30 volumes e intervenção de dezenas de interessados. A decisão transferiu a posse de 366 mil hectares de terra – área equivalente a cinco vezes a cidade de Salvador – a um único homem, José Valter Dias, que da noite para o dia se tornou um dos maiores latifundiários do país.
Após o recesso iniciado em 20 de dezembro, a juíza voltou a atuar na capital.

Marivalda também é acusada de impossibilitar o cumprimento de uma decisão do TJBA favorável aos agricultores, durante o período que atuou em Formosa do Rio Preto.

Nas explicações enviadas à corregedoria, a juíza negou ter dificultado o cumprimento da decisão e justificou que deveria despachar o processo porque ele estava paralisado havia muito tempo.

Ela afirmou que “teve exercício em um período curtíssimo, de um mês, porque teve início o recesso em 20/12/2018 e não poderia assim colocar e examinar todos os processos que estavam com seus andamentos paralisados de uma vez só e num período tão curto, cuidando de atender às urgências e cobranças de andamento efetivadas pelo CNJ”.

Ela também afirmou que o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, que atua na região há mais de dois anos, é quem deveria ter decidido o caso, mas não o fez.

“Continua sem entender, esta magistrada, na insistência de lhe atribuir prática de conduta de desobediência, desacato, insubordinação ou outra terminologia quando não existe e se alguém praticou não foi esta magistrada, seria o magistrado que à época estava a responder pela Comarca de Formosa do Rio Preto de forma plena e que injustificadamente esta Corregedoria em nada lhe incomoda, porque este é que deveria estar apresentando estas informações (…)”, afirmou.

A sentença de Marivalda Moutinho, proferida sem ouvir nem o Ministério Público nem dezenas de agricultores que estão no local há mais de 30 anos, vem causando prejuízos aos produtores e instabilidade na região.

Para completar, a juíza aplicou multa de R$ 1 milhão a uma parte que alegou sua suspeição para julgar o caso. A lei determina que, ao receber pedidos de suspeição, o juiz deve ou declarar-se suspeito ou encaminhar o requerimento para análise de uma corte de instância superior – o que não foi feito no caso.

A designação de Marivalda Moutinho para atuar em Formosa do Rio Preto só foi referendada pelo plenário do TJBA a posteriori, no dia 27 de março, sob forte resistência de diversos desembargadores, causando constrangimento ao presidente do TJBA.

A reclamação disciplinar contra os três magistrados baianos foi apresentada ao CNJ pelo deputado federal Valtenir Pereira (MDB-MT), membro da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, e pelo ex-deputado Osmar Serraglio (PP-PR), que integrou o colegiado. Uma audiência pública promovida pela comissão em dezembro denunciou a existência de graves mecanismos sistêmicos de grilagem de terras no Oeste da Bahia, “havendo fortíssima suspeita de ilícitos por parte de membros da magistratura baiana”.

Diante da reclamação, o corregedor do CNJ, ministro Humberto Martins, deu 30 dias para que os magistrados enviem explicações sobre o caso. Gesivaldo Britto e Eliene Oliveira têm até 20 de junho para se manifestar.