Ex-deputado estadual pelo PT, o professor e militante histórico Paulo Frateschi foi preso e torturado durante a Ditadura Militar e dedicou a vida à luta democrática.
O ex-deputado estadual do Partido dos Trabalhadores (PT), Paulo Frateschi, morreu nesta quinta-feira (6) em São Paulo. A informação foi confirmada pela Fórum com fontes ligadas ao PT. A data e o local do velório e sepultamento ainda não foram informados pela família.
Segundo informações da Polícia Militar, equipes da corporação foram acionadas para atender a uma ocorrência na qual um homem em surto havia agredido o próprio pai com golpes de arma branca na Vila Ipojuca, zona oeste de São Paulo. De acordo com o boletim de ocorrência, Paulo Frateschi foi atingido no abdômen.
A mãe do rapaz, Yolanda Vianna, de 64 anos, tentou intervir e sofreu ferimentos. A irmã de Francisco, de 42 anos, também foi ferida.
Pessoas ligadas à família relataram que o casal e o filho vivem em Paraty e estavam na capital paulista para que Francisco passasse por atendimento psiquiátrico. Ele estaria sob efeito de medicamentos desde a última sexta-feira (31/10).
Paulo, com Mujica e Lula: respeitado pela trajetória política.
Ex-parlamentar e figura de destaque na fundação e consolidação do PT, Frateschi também foi secretário de Relações Governamentais na gestão da então prefeita Marta Suplicy, entre 2001 e 2004, e ocupou cargos de direção partidária em diferentes períodos.
No meio disso tudo, porém, ele se mostrava uma figura inteligente e doce, apesar das tristezas que circundavam sua vida: chegou a perder dois filhos em acidentes de carro na mesma estrada que leva a Paraty, no Rio de Janeiro.
Desde o começo dos anos 90, o antropólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos Piero Leirner faz pesquisas com militares. Durante esse período, estabeleceu com integrantes das Forças Armadas uma relação que classifica como sendo de “desconfiança mútua”.
Apesar das dificuldades, ele conseguiu manter pesquisas que tratam principalmente da hierarquia nas organizações militares do Exército Brasileiro, como a Escola de Comando e Estado Maior.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirma que a atual escalada do conflito político não é acidental. Para Leirner, ela faz parte do projeto dos militares para o país e inclui Bolsonaro em um papel bem específico: “funcionar como uma espécie de ‘para-raios sem fio terra'”.
“Ele causa a explosão, para possibilitar a ação reparadora dos bombeiros”, diz o antropólogo, que está prestes a publicar um livro sobre guerras híbridas.
Piero Leirner traça um panorama sobre a atuação dos militares no governo Bolsonaro, e afirma que “não é uma questão de se os militares aprovam ou não o governo: eles são o governo”.
A Ditadura de 1964 deixou marcas profundas na sociedade brasileira e alimentou uma classe média reacionária, descontente com as políticas sociais desde Getúlio Vargas.
Citado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), assim como pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o ato da ditadura responsável por ter intensificado a repressão, o Ato Institucional nº 5, ainda é desconhecido por 65% da população. Apenas 35% dizem já ter ouvido falar do AI-5. O levantamento foi divulgado pelo Datafolha nesta segunda-feira (1º).
Entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, há um maior conhecimento com relação ao instrumento de repressão. Dos que avaliam o governo como ótimo/bom, 42% já ouviram falar do AI-5. Esse índice recua para 36% entre quem avalia como ruim/péssimo, e 29% entre quem o considera regular.
A menção do filho do filho do presidente ao ato foi feita no final de outubro de 2019, durante uma entrevista. Nela, Eduardo fala na instituição de “um novo AI-5” como resposta ao que ele classifica como “radicalização da esquerda”.
“Tudo é culpa do Bolsonaro. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta e uma resposta ela pode ser via um novo AI-5”, afirmou o deputado.
Já Paulo Guedes se mostrou apoiador da repressão durante uma entrevista coletiva em Washington, no dia 26 de novembro. O ministro havia se irritado ao comentar a saída de Lula da prisão e afirmou que os discursos do ex-presidente justificam um acirramento das ações no governo de Jair Bolsonaro. Em seguida, Guedes sugeriu a implementação do AI-5 para reprimir possíveis manifestações de rua.
Baixado em 13 de dezembro de 1968 pela ditadura durante o governo do general Costa e Silva, o ato levou ao endurecimento do regime dando poder de exceção aos militares para punir arbitrariamente os que fossem “inimigos”. O AI-5 resultou na perda de mandatos de parlamentares contrários aos militares, intervenções e a suspensão de garantias constitucionais que resultaram na institucionalização da tortura pelo Estado.
Do portal Fórum.
Quem procura pelos erros dos governos pós-ditadura, tende a encontrar o principal: a falta de leitura e do estudo de nossa história nos últimos 50 anos. Confirma-se a máxima:
“Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”.
Ela foi escrita por George Santayana, pseudônimo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás, um filósofo, poeta e ensaísta espanhol que fez fama escrevendo em inglês.
O Ato Institucional número 5
Aprovado numa sexta-feira 13 de dezembro de 1968, o AI-5 deu plenos poderes ao presidente-marechal Artur da Costa e Silva e, entre outras medidas, permitiu o fechamento do o Congresso, a intervenção do governo federal nos estados, institucionalizou a censura prévia e suspendeu o habeas corpus em casos de crimes políticos.
Leia, a seguir, a íntegra do texto publicado há 40 anos.
“ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL , ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e
CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);
CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que “não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la;
CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária;
CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição,
Resolve editar o seguinte
ATO INSTITUCIONAL
Art 1º – São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art 2º – O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
§ 2º – Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
§ 3º – Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.
Art 3º – O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo único – Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art 4º – No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único – Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art 5º – A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III – proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV – aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
§ 1º – o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
§ 2º – As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.
Art 6º – Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º – O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
§ 2º – O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art 7º – O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art 8º – O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único – Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
Art 9º – O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do § 2º do art. 152 da Constituição.
Art 10 – Fica suspensa a garantia de habeas corpus , nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art 11 – Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Art 12 – O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.
Arthur COSTA E SILVA Luís Antônio da Gama e Silva Augusto Hamann Rademaker Grünewald Aurélio de Lyra Tavares José de Magalhães Pinto Antônio Delfim Netto Mário David Andreazza Ivo Arzua Pereira Tarso Dutra Jarbas G. Passarinho Márcio de Souza e Mello Leonel Miranda José Costa Cavalcanti Edmundo de Macedo Soares Hélio Beltrão Afonso A. Lima Carlos F. de Simas”
A jornalista Hildegard Angel, num libelo emocionante nas mídias sociais:
“Zuzu Angel teve seu assassinato ordenado diretamente pelo gabinete de Ernesto Geisel, segundo o agente do DOPS Claudio Guerra, em depoimento à Comissão da Verdade. Ela incomodava os ditadores com suas denúncias, cartas para autoridades e sua moda de protesto político no exterior.”
A mãe de Hildegard, Zuzu, teve seu carro empurrado de um viaduto no Rio de Janeiro, depois de fortes protestos pela tortura e morte de Stuart Angel, o filho, na Base Aérea do Galeão.
A manifestação diz respeito à notícia de hoje, que revela documentos norte-americanos, onde o presidente Ernesto Geisel, ao assumir o poder, autorizou a continuidade da matança de inimigos do regime, desde que autorizados pelo Palácio do Planalto.
Castello Branco sabia quem eram as vivandeiras alvoroçadas.
As vivandeiras, as rameiras que costumam acompanhar de perto as tropas, nos acantonamentos militares, estão agitando novamente pelo fechamento do regime. A revista “Quanto É” já anuncia que os militares se preparam para destituir o desmoralizado Michel Temer e tomar o poder depois da prisão de Lula.
Por que alguns órgãos de imprensa costumam fazer a elegia do regime militar? Talvez porque sejam especialistas em sabujices e querem aproveitar-se das verbas advindas desse puxa saquismo explícito em detrimento daqueles veículos de comunicação mais comprometidos com a verdade. Quem era o conglomerado Globo de comunicação antes de 1964? A manchete do dia 1º de abril dizia: “Restaura-se a democracia no País”.
Foi o que bastou para se tornar o órgão preferido dos militares e transformar-se, com dinheiro vindo do Exterior, um dos maiores grupos de comunicação do mundo.
“Quanto é” prevendo e comemorando o fechamento do regime e a nova assunção dos militares, exatos 54 anos depois.
Na “Última Hora” de Porto Alegre aconteceu outro fato semelhante. Com a fuga de Samuel Wainer para o Exterior, um secretário de redação, Ary de Carvalho, trocou o nome do jornal para Zero Hora e saudou a vitória da “revolução”.
Como sempre se afirma por aqui, a história não muda. Repete-se. Com os mesmos personagens. E quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la.
María Isabel “Chicha” Chorobiki de Mariani, uma das fundadoras da Avós da Praça de Maio, encontrou ontem (24) sua neta Clara Anahí Teruggi, após 39 anos de buscas, depois de confirmar por meio de DNA a probabilidade de vínculo em 99,9 por cento, informou a Fundação Anahí.
Clara Anahí foi sequestrada pela ditadura militar argentina quando tinha três meses de idade, em 24 de Novembro de 1976.
Em seu mural do Facebook, Chicha postou que “depois de 39 anos de perseguição implacável, Chicha Mariani se reuniu com sua neta Clara Anahí, no que representa um dos maiores desejos da sociedade Argentina no caminho do retorno dos netos que desapareceram durante a ditadura cívico-militar “.
“Eles eram 400 nas ruas de São Paulo, no primeiro sábado de dezembro, pedindo intervenção militar. Quatrocentos não é pouco. Um é muito.”
Quando escuto brasileiros fazendo manifestação pela volta da ditadura, penso que eles não podem saber o que estão dizendo. Quem sabe, não diz. Mas esse primeiro pensamento é uma mistura de arrogância e de ingenuidade. O mais provável é que uma parte significativa desses homens e mulheres que têm se manifestado nas ruas desde o final das eleições, orgulhosos de sua falta de pudor, peçam a volta dos militares ao poder exatamente porque sabem o que dizem. Mas talvez seja preciso manter não a arrogância, mas a ingenuidade de acreditar que não sabem, porque quem sabe não diria, não poderia dizer. Não seria capaz, não ousaria. É para estes, os que desconhecem o seu dizer, estes, que talvez nem existam, que amplio aqui a voz das crianças torturadas, de várias maneiras, pela ditadura.
Crianças. Torturadas. De várias maneiras.
Botavam meu pai no pau de arara e, para o fazerem falar, simulavam me torturar com uma corda. Eu tinha dois anos”
Como Ernesto Carlos Dias do Nascimento. Ele tinha dois anos e três meses. Foi considerado terrorista, “Elemento Menor Subversivo”, banido do país por decreto presidencial. Foi preso em 18 de maio de 1970, em São Paulo, com sua mãe, Jovelina Tonello do Nascimento. O pai, Manoel Dias do Nascimento, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização comandada por Carlos Lamarca, havia sido preso horas antes. Ernesto é quem conta:
“Me levaram diversas vezes às sessões de tortura para ver meu pai preso no pau de arara. Para o fazerem falar, simulavam me torturar, com uma corda, na sala ao lado, separados apenas por um biombo”.
O menino de dois anos dizia: “Não pode bater no papai. Não pode”.
E batiam.
Libertado quase um mês depois, passou os primeiros anos com pavor de policiais de farda e grupos com mais de quatro pessoas. Entrava em pânico, escondia-se debaixo da cama ou dentro do armário, mordia quem se aproximava e urinava nas calças. Ernesto foi uma criança com pesadelos recorrentes. O mais comum era com um asno, uma corda e uma agulha. “O asno usava um boné militar, a agulha tinha olhos arregalados e uma risada aguda sarcástica e corria atrás de mim, eu apavorado tentava fugir. O asno me cercava, me dava coices ou chutava coisas sobre mim. A corda parecia boazinha, disfarçada de linha se estendia até mim, mas quando eu a segurava ela machucava minhas mãos e me deixava cair em um abismo.”
Perto do parto, o líquido amniótico descia pelas minhas pernas e as baratas me atacavam em bandos. Eu gritava na cela”
Ernesto é um dos 44 adultos torturados na infância – física e psicologicamente, mas também de outras maneiras – que contam sua história em um livro lançado em novembro pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. Infância roubada – crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil é a memória do inominável que precisa ser nomeado para que cada um deles possa viver, para que o crime de Estado não se repita. A maioria dos depoimentos foi registrada em audiências na Comissão da Verdade de São Paulo. Algumas pessoas, que não puderam comparecer ou não conseguiam falar sobre o assunto, foram entrevistadas depois.
O que dizer sobre crianças torturadas pelo Estado? E torturadas ontem, em parâmetros históricos, bem aqui? Os relatos desse livro são alheios aos adjetivos. São silêncios que falam. E soluçam. Como João Carlos Schmidt de Almeida Grabois, o Joca, antes mesmo de nascer. Ele estava na barriga da mãe, Crimeia, quando ela levou choques elétricos, foi espancada em diversas partes do corpo e agredida a socos no rosto. Enquanto ela era assim brutalizada, os agentes da repressão ameaçavam sequestrar seu bebê tão logo nascesse. Quando os carcereiros pegavam as chaves para abrir a porta da cela e levar Crimeia à sala de tortura, o bebê começou a soluçar dentro da barriga. Joca nasceu na prisão e, anos depois, já crescido, quando ouvia o barulho de chaves, voltava a soluçar. A marca da ditadura nele é um soluço. Continue Lendo “Aos que defendem a volta da ditadura”
Depois de dois anos e sete meses de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, em seu relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Entre essas pessoas, 210 são desaparecidas.
No documento entregue hoje (10) à presidenta Dilma Rousseff, com o relato das atividades e a conclusão dos trabalhos realizados, a CNV traz a comprovação da ocorrência de graves violações de direitos humanos. “Essa comprovação decorreu da apuração dos fatos que se encontram detalhadamente descritos no relatório, nos quais está perfeitamente configurada a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro” diz o texto.
Foto de Antonio Cruz, da Agência Brasil
Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas por essas ações ocorridas no período que compreendeu a investigação. O documento diz ainda que as violações registradas e comprovadas pela CNV foram resultantes “de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro” e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como política de Estado “concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares”.
Outro ponto de destaque das conclusões do relatório é que muitas das violações comprovadas durante o período de investigação ainda ocorrem nos dias atuais, apesar da existência de um contexto político diferente. Segundo o texto, “a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo de ocultação de cadáveres não é estranha à realidade brasileira contemporânea” e crescem os números de denúncias de casos de tortura.
Diante dessas conclusões, o relatório final da CNV traz 29 recomendações, divididas em três grupos: medidas institucionais, iniciativas de reformulação normativa e de seguimento das ações e recomendações dadas pela comissão.
Entre as recomendações estão, por exemplo, questões como a determinação da responsabilidade jurídica dos agentes públicos envolvidos nessas ações, afastando a aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) por considerar que essa atitude “seria incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia”.
A CNV recomenda também, entre outros pontos, a desvinculação dos institutos médico-legais e órgãos de perícia criminal das secretarias de Segurança Pública e das polícias civis, a eliminação do auto de resistência à prisão e o estabelecimento de um órgão permanente para dar seguimento às ações e recomendações feitas pela CNV.
Em suas mais de 3 mil páginas, o documento traz ainda informações sobre os órgãos e procedimentos de repressão política, além de conexões internacionais, como a Operação Condor e casos considerados emblemáticos como a Guerrilha do Araguaia e o assassinato da estilista Zuzu Angel, entre outros. O volume 2 do documento traz informações sobre violações cometidas contra camponeses e indígenas durante a ditadura.
A Comissão Nacional da Verdade foi instalada em 2012. Criada pela Lei 12.528/2011, a CNV será extinta no dia 16 de dezembro.
Não acho que o medo e o temor aos poderosos sejam características da covardia. Mas hoje, 46 anos depois, confesso, passamos muito medo nas redações em 1968. Nossa arrogância juvenil foi passo a passo se tornando em auto censura. Tínhamos muito medo de policiais de qualquer tipo ou farda e, mais ainda, das polícias secretas. Mas o que mais temíamos eram os alcaguetes, os dedos-duros, aqueles que trabalhavam por perto. Medíamos nossas palavras a cada instante, da redação aos botecos. Lá fora a Brigada Militar batia e prendia os manifestantes. Nossos colegas por vezes desapareciam das redações. Sabíamos que quem fosse convidado ao prédio da rua Paraná (Polícia Federal) dificilmente sairia ileso de lá. Sabíamos do cemitério clandestino de Viamão para onde eram enviados aqueles mortos em combate ou nos porões da ditadura. Sobrevivíamos do nosso medo e da desfaçatez de acreditar que nada estava acontecendo. Mas sempre com o temor que a “clava forte da Justiça” se abatesse contra os mais fracos.
Na época, fiz três coberturas de visitas presidenciais ao Rio Grande do Sul. Costa e Silva a Taquari, Médici em Bagé quando montou num cavalo que ganhou de seus conterrâneos e Médici ao Chuí, quando foi inaugurada a famosa “Rodovia do Inferno”, Vila da Quinta à fronteira com Uruguai. Médici almoçou com Pacheco Areco (também ditador no Uruguai) na Fortaleza de Santa Tereza, na fronteira. Sempre no quadradinho reservado aos jornalistas e fotógrafos. Ditávamos os textos para a redação, enquanto os fotógrafos se viravam com as tais radiofotos, um processo primitivo de enviar as imagens. Ou viajávamos a noite inteira na esperança que nossas viaturas (kombis na Caldas Júnior ou Willys Rural na Zero Hora) permanecessem sobre a pista.
E de quando em vez diagramávamos o jornalzinho da Faculdade de Economia da UFRGS, impresso em mimeógrafos a álcool, que trazia as notícias da clandestinidade.
Tínhamos medo. E depois que o regime foi apodrecendo, nunca mais tivemos medo de ninguém ou de nada. Porque já tínhamos passado a nossa overdose de medo e sabíamos que o que passou nunca mais iria se repetir.
Como o poeta Thiago de Mello escreveu em 1966, agora éramos noivos da Liberdade, e nada devíamos temer:
Veja só o que defende um grupo de jovens gaúchos, liderados pela universitária, estudante de Direito, Cibele Bumbel Baginski, 23 anos, de Caxias do Sul, que já publicou no Diário Oficial os estatutos de um novo partido, a Nova Arena, para reeditar, 30 anos depois, a ação do partido da Ditadura Militar:
– Privatização do Sistema Penitenciário. – Abolição de quaisquer sistemas de cotas raciais, de gênero, ou condições “especiais”. – Aprovação da maioridade penal aos 16 anos. – Retorno ao currículo escolar das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Latim. – Ensino da História do Brasil e História Geral sem ênfases tendenciosas doutrinariamente e com abrangência de todos os continentes, e não somente alguns. – Defender o Estado Necessário – Retomar o controle de todas as empresas estatais que são fundamentais à proteção da Nação. – Reaparelhar as Forças Armadas, tirando-a de seu sucateamento e parco efetivo.
A publicação no Diário Oficial é uma das etapas para a criação do partido. Após a sigla adquirir personalidade jurídica, os fundadores irão pleitear o registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isso, devem reunir 491 mil assinaturas de eleitores (0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados) de pelo menos nove estados (um terço do total) – o grupo já tem de 40 a 50 mil, diz Cibele.
Quantos alemães estavam naquela cervejaria de Munique, liderados por Hitler, em 1923, num golpe contra o Governo da Baviera? Certamente menos de 40 mil.
A blogueira clandestina Yoani Sanchez tuitou agora há pouco que o Governo da Republica Democrática de Cuba realizou 75 novas prisões de dissidentes e jornalistas. Yoani Sanchez teve há pouco tempo seu pedido de entrada no Brasil permitido pela presidente Dilma Rousseff. No entanto, o Governo cubano não permitiu sua saída. Yoani faz seus posts através de smartphone, usando na maioria das vezes internet pirateada das regiões de acesso aos estrangeiros. É a heroína cubana da web.
Médica, divorciada, mãe de dois filhos, feminista e lésbica assumida, a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, aposta na autonomia como forma de garantir melhores condições de vida para a mulher. Em entrevista à Agência Brasil, ela deixou claro seu pensamento de luta contra a “cultura patriarcal, machista e sexista que ainda impera” no País.
Ontem li a entrevista de Eleonora, concedida em 2004, em que ela relata as torturas sofridas no tempo da ditadura, inclusive tendo a própria filha, uma criança de pouco mais de 2 anos, torturada e molestada na sua frente para que ela fornecesse informações aos órgãos de repressão.
Eleonora, companheira de cela de Dilma Rousseff, continua uma guerrilheira. E o País deve muito a ela pelo que ela passou no cárcere.