A Porto Alegre do final dos anos sessenta e as maravilhas que não voltam mais.

 

Estava revendo esse vídeo e cheguei a conclusão que o Coronga Vírus pode me levar. Ouvi Jamelão cantando “Vingança” no “Chão de Estrelas”, encostado na parede do palquinho, com um uisquinho cow-boy na mão.

E mais, suprema glória, ouvi o autor, que cantava muito baixinho, no Adelaide’s Bar, na Marechal Floriano, um buteco que não passava de 10 mesas. E, glória eterna, Lupicinio estava sentado na minha mesa preferida, a meu convite, para uma entrevista pra Zero Hora.

Adelaide Dias, uma linda morena de longos cabelos pretos, dona do barzinho, e depois do “Chão de Estrelas”, era minha amiga e curtimos, durante anos, uma tórrida e platônica paixão.

Porto Alegre então era uma deliciosa capital com bondes, ônibus elétricos, ruas de paralelepípedos e pouco mais de 600 mil habitantes. E bancas de jornais onde se comprava os jornais do dia da Capital, o Estadão, o Jornal do Brasil e o insubstituível Pasquim.

Além de Lupicínio, podia-se conversar com Alcides Gonçalves, autor, junto com Lupicínio, de “Cadeira Vazia”, ir a peças no Teatro Leopoldina e no Teatro São Pedro e comer, no Parque da Redenção, o cachorro-quente do  Passaporte para o Inferno.

No rabo da madrugada, se podia fazer excursões eróticas ao “Dragão Verde”, mais conhecido como “Bicho Verde” ou ao Harém, ambas da minha amiga Marion, onde as garrafas de uísque nacional ou escocês eram esvaziadas com uma velocidade astronômica. E onde se namorava, de mão dada, e ainda levava a namorada em casa, nos flamantes chevettes e passats, os carrões da época.

Como dizia um grande amigo e companheiro de noitadas, ao assentir que o garçom servisse uma nova dose, já completamente enxovalhado pelos éteres de Baco: “Companheiro, não jogo, não bebo e não sou dado a mulheres de vida fácil”. Isso tudo agarrado a uma morena de fechar o comércio.

Parodiando Neruda, diria, “confesso que vivi”, portanto, que venha o Coronga.

Uma mesa com o poeta Luiz de Miranda e os artistas plásticos Henrique Fuhro e Léo Dexheimer. Ao fundo, no minúsculo caixa, Adelaide comandava a festa. As fotos são do marchand Renato Rosa. 
Lupi e seus músicos no Adelaide’s Bar. Em pé, Adelaide.

Jamelão e Alcione semeando a dor no nosso carnaval

Jamelão, o principal intérprete do grande Lupiscínio Rodrigues, com Alcione, três grandes, capazes de nos remeter a um passado recente e dourado.

Pessoalmente, tive o prazer de tomar umas cervejas com Lupi no “Adelaide’s Bar”, nos altos da Marechal Floriano. Anos mais tarde, no “Chão de Estrelas”, da mesma e bela Adelaide, em pé ao lado do palquinho, ouvi Jamelão cantar “Ronda”, com Paulo Vanzolini ao meu lado.

A vida dos velhos é assim: somos tudo aquilo que já fomos e que não volta mais. Temos saudades de nós mesmos.

 

Morre Paulo Vanzolini, o médico autor de “Ronda”.

paulo_vanzoliniMorreu neste domingo aos 89 anos, vítima de complicações de uma pneumonia, o compositor e zoólogo Paulo Vanzolini. Ele estava internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo, desde quinta-feira, dia de seu aniversário.

Considerado um dos grandes nomes do samba paulista, Vanzolini é autor de clássicos da música popular brasileira, como “Ronda” e “Volta por cima”, dos versos “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Ao todo, são mais de 70 composições em seu currículo.

Formado em medicina com doutorado em zoologia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o músico desenvolveu as duas carreiras em paralelo, tendo dirigido o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, além de trabalhar na produção dos programas de Araci de Almeida na TV Record, na década de 1950.

Veja mais em O Globo.

Conheci Vanzolini numa noite memorável do Chão de Estrelas, casa de espetáculos de Porto Alegre. Enquanto Jamelão cantava “Ronda”, descobri que o meu interlocutor era o autor da música. Ficamos amigos e trocamos telefone. Mas nunca liguei para uma entrevista, mesmo quando era noticiado que ele estava em Porto Alegre, talvez por saber que amigos não são para ser entrevistados.

Definitivamente viver é uma atividade perigosa. Todo dia se perde uma pessoa da qual gostamos, uma pequena referência da estrada, um marco de valor de nossas vidas.