Bolsonaro foi preponderante para termos 100 mil mortes por Covid, diz Mandetta

Foto: EVARISTO SA / AFP

Da Folha de São Paulo.

Ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro diz que presidente ‘deu argumento para as pessoas não ficarem em casa’

A postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contrária a medidas inicialmente indicadas pelo Ministério da Saúde, e as interferências feitas por ele na pasta foram fatores que levaram o país a tirar de foco o distanciamento social e chegar a cerca de 100 mil mortes pela Covid-19. A avaliação é do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deixou o cargo em abril.

“Houve uma série de fatores, mas o fator presidente foi preponderante. Ele deu argumento para as pessoas não ficarem em casa. Ele deu esse exemplo e serviu de passaporte para as pessoas aderirem politicamente a essa ideia”, afirma.

Para Mandetta, o alto número de pessoas na economia informal e a pressão causada pelas eleições municipais também pesaram para uma adesão menor ao isolamento.

“[Prefeitos] veem a popularidade diminuir, e como tem um contraponto político feito pelo presidente, ficam pressionados.”

Na visão do ex-ministro, o governo também “abriu mão da ciência” e das ações para controle e “ficou em um debate menor, que é a cloroquina”.
“Foi uma somatória de fatores, mas principalmente liderados pela posição do governo, que trocou dois ministros e botou um terceiro que fez uma ocupação militar sem técnicos na Saúde.”

Mandetta, que estava à frente do ministério no início da estruturação de medidas contra a Covid-19, afirma ter alertado o Planalto sobre projeções que superavam inclusive o número atual de óbitos.

“O [ex-secretário-executivo João Gabbardo falava em 30 a 40 mil [mortes], o Wanderson [Oliveira, ex-secretário de Vigilância] de 70 a 80 mil e eu falava que era acima de 100 mil mortos, porque eu contava as por coronavírus e as por colapso caso não se organizasse um sistema de saúde mais robusto.

Apresentei todos esses cenários”, afirma ele. “Mas a impressão que tenho é que literalmente não quiseram ouvir a gravidade do problema.”

À Folha de S.Paulo, no início de julho, Wanderson Oliveira afirmou que a pasta já tinha alertado o governo após um estudo feito com a Opas (Organização Pan-americana de Saúde) sobre a possibilidade de o País chegar a 100 mil mortes.

Questionado sobre medidas para evitar esse cenário, Mandetta diz que a estratégia inicial da pasta previa investir no monitoramento de pacientes por meio da atenção básica e de telemedicina, além de ampliar a oferta de testes e respiradores em UTIs. Em relação à atual gestão da pasta, o ex-ministro diz não ter visto gestão.

“Vi uma ocupação militar e uma tentativa de não mais fornecer números, o que foi o cartão de visitas deles. Vi fazerem um protocolo de medicamento absurdo. E vi essa sequência de contaminação [pela Covid], até do próprio presidente”, afirma, sobre o diagnóstico recebido por Bolsonaro em julho.

“Às vezes [com a doença] a pessoa reflete, muda a visão, mas ele continuou com a visão de que o problema é da economia, e caindo de quatro a cinco Boeings todo dia no Brasil”, diz, se referindo à média de mais de mil mortes diárias por Covid-19 no país.

Para Mandetta, o país tem seguido previsões iniciais feitas pela pasta, que apontavam “semanas duras” até o fim de agosto, com chance de queda nos meses seguintes. Ele atribui o cenário, no entanto, à falta de uma adesão maior a medidas como o distanciamento social.

O cenário poderia ser pior, afirma, caso o país tivesse seguido recomendações do presidente, que previa que estados não adeririam a políticas de distanciamento social.

Atualmente, Mandetta finaliza livro que narra sua jornada no Ministério da Saúde desde o dia em que a China reconheceu o novo coronavírus até sua saída do cargo.

Pelo que se viu na oportunidade da saída de Mandetta, o motivo foi só um: uma ciumeira de tia velha por parte do “Espírito das Trevas”.

Mandetta, bem apessoado, articulado, com ideias racionais, aparecendo todo dia na televisão, era um perigo para a liderança frágil do Calígula.

Bem dizia minha avó: homem que toda hora troca de mulher está procurando no ramo errado. Ninguém me tira da cabeça que o Napoleão de Hospício está forçando a porta do armário.

Secretário do Ministério da Saúde se nega a responder sobre comportamento de Bolsonaro.

Mandetta e Caiado supervisionaram obras do primeiro hospital de campanha federal, em Águas Lindas – GO, no limite do DF. O Hospital será dedicado exclusivamente para contaminados com o Coronavírus.

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem ignorado recomendações do próprio Ministério da Saúde, ido às ruas de Brasília e Goiás e causado aglomerações em meio à pandemia do novo coronavírus.

Questionado neste sábado (11) sobre o tema, o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo dos Reis, recusou-se a responder e ironizou a repórter pela pergunta formulada.

A pergunta foi lida por um assessor do Ministério da Saúde. “Pelo segundo dia consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou as recomendações do Ministério da Saúde, saiu às ruas e formou aglomerações de pessoas. Como garantir a continuidade do isolamento social, se o presidente da República não dá o exemplo?”, questionou a repórter Isadora Peron, do jornal Valor Econômico.

Gabbardo, então, não respondeu e ironizou ao dizer que a jornalista “perdeu a oportunidade de fazer uma pergunta”: “Eu vou responder para a Isadora. Infelizmente, a Isadora perdeu a oportunidade de fazer uma pergunta, porque nós já combinamos isso, que nós não vamos responder sobre comportamento, posicionamento, opinião do presidente da República. Pode passar para a próxima (pergunta)”.

Neste sábado, João Gabbardo dos Reis, considerado o “número dois” do Ministério da Saúde”, foi o responsável por expor os dados nacionais do coronavírus no Brasil e, em seguida, responder a questionamentos de repórteres em entrevista coletiva. O ministro Luiz Henrique Mandetta, chefe da pasta, não estava presente, já que passou o dia em Goiás.