A responsabilidade do campo democrático para evitar a catástrofe

Por MARCOS NOBRE, na Piauí.

Jair Bolsonaro sempre teve clareza de que chegou ao poder por uma confluência única de circunstâncias, uma janela no tempo difícil de se repetir. Desde que se elegeu, tem apenas duas preocupações: evitar o impeachment e se reeleger. A tática para atingir suas metas é a mesma: manter o sólido apoio de uma parcela do eleitorado que não é maioria, mas que é grande o suficiente tanto para resistir a um impeachment como para chegar ao segundo turno em 2022.

A partir do terceiro mês de mandato, a parcela que apoia o atual presidente se estabilizou em torno de um terço do eleitorado. Mesmo que o apoio venha a cair para um quarto dos eleitores, ainda assim Bolsonaro tem boas chances de ser bem-sucedido. O sinal vermelho para seu projeto só acenderá caso caia abaixo desse patamar.

A grande ameaça está no fato de que o duplo objetivo – evitar o impeachment e conseguir a reeleição – não é um fim em si mesmo. É apenas um meio. O objetivo real de Bolsonaro é destruir a democracia. Manter-se no poder e vencer a eleição em 2022 são apenas requisitos para alcançar esse objetivo maior.

É claro que esse roteiro pode mudar. Bolsonaro pode tentar um golpe antes de 2022. Mesmo que seja uma tarefa ainda mais difícil neste momento de dispersão e de fragmentação, as forças democráticas têm de se preparar como puderem também para isso. Este texto é otimista. Acredito que, pelo menos por enquanto, as condições para um golpe não estão dadas e que está mantido o roteiro de destruição da democracia pela via eleitoral.

Apesar de todas as indicações, tem muita gente que ainda duvida de que o objetivo de Bolsonaro seja destruir a democracia. Os atos e palavras antidemocráticos do atual presidente não passariam, segundo essas pessoas, de “arroubos”. Outra parcela da sociedade acha que “as instituições democráticas” irão mantê-lo na linha. Porque, afinal, Bolsonaro continua apostando em eleições. E está realizando o que prometeu durante a campanha de 2018.

Mas o que Bolsonaro prometeu em 2018 foi exatamente isso – destruir as instituições democráticas. Na campanha, as “instituições democráticas” eram “o sistema”. E o sistema é “de esquerda”. O liberalismo que ele abraçou é meramente econômico – Bolsonaro tem ojeriza ao liberalismo político. Entre outras razões, é por isso que não passa de conversa fiada dizer que se trata de um governo “liberal na economia e conservador nos costumes”. É um governo liberal na economia e antiliberal em política.

Continue Lendo “A responsabilidade do campo democrático para evitar a catástrofe”

Os ventos de junho: o descompasso entre aspirações da sociedade e o sistema político

Marcos Nobre
Marcos Nobre

O escritor, filósofo e cientista político Marcos Nobre:

“O que ocorreu em junho foi uma explosão do sentimento de que se tornou insuportável o descompasso entre o funcionamento do sistema político e as aspirações da sociedade, que, em oposição ao antigo nacional-desenvolvimentismo, se denomina “social-desenvolvimentismo”.

A frase está em artigo de Diego Viana, para o jornal Valor Econômico, em análise do livro “Imobilismo em Movimento” (Companhia das Letras, 208 págs., R$ 36), de Marcos Nobre.

O descompasso é grande como nunca foi, a não ser para aqueles miseráveis que não tem outra alternativa a não ser aceitar a esmola oficial. Na grande maioria silenciosa a indignação é tão feroz quanto contida.

Como diz a piada corrente, se alguém espirrar e outro desejar “saúde”, logo outros exclamam: Segurança! Educação! Justiça! E todos em uníssono: “Abaixo a corrupção”.

Estou curioso para ver o que acontece na próxima campanha, no confronto entre o discurso tradicional dos candidatos e essa nova sensação de desconforto de toda a sociedade.

 

Clique na imagem para ampliar.
Clique na imagem para ampliar.