Quando o jornalismo faz história

Da newsletter semanal de Marina Amaral, diretora executiva da Agência Pública 

Natalia Viana - Portal dos Jornalistas

Natália Viana

Gente mais gabaritada (e menos suspeita) do que eu já comemorou o lançamento de “Dano Colateral”, o livro de minha querida parceira de fundação da Agência Pública, a jornalista Natalia Viana. Elio Gaspari, Pedro Abramovay, Bruno Paes Manso, Renata Lo Prete, que entrevistou Natalia no podcast “O Assunto” – é longa a lista dos que destacaram a relevância da investigação da jornalista para compreender como o Exército voltou a ter poder político no país.

Do papel de “grande mudo”, a que estava relegado desde sua participação na posse de Sarney, à presença maciça de militares no governo Bolsonaro, com a ocupação de cargos-chave da Defesa à Saúde, a jornalista descreve os movimentos que os levaram ao papel de fiadores do impeachment de Dilma, a inimiga figadal, e do governo impopular de Michel Temer, preparando o salto definitivo para o poder com a eleição de Jair Bolsonaro.

DANO COLATERAL - - Grupo Companhia das Letras

Do ponto de vista jornalístico, o mais interessante, porém, é que não foram offs palacianos nem segredos de caserna que levaram Natalia a esclarecer esse ponto nevrálgico de nossa história.

Para além de uma alentada entrevista com o general Etchegoyen, que desempenhou papel crucial em todo esse processo, foi o acompanhamento minucioso de casos de vítimas das operações GLO, inclusive na Justiça Militar, que a conduziu à descoberta de como o Exército, fortalecido pelos governos do PT, em especial com as missões da ONU no Haiti e com o comando da segurança dos megaeventos no governo Dilma, aproveitou-se da brecha, representada pelo artigo 142 da Constituição, para voltar a opinar – ou mesmo decidir – sobre as questões nacionais.

Em dois anos de investigação, inclusive com um especial sobre o tema publicado na Agência Pública, Natalia contou 35 vítimas, sobretudo nas favelas do Rio de Janeiro, entre 2011 – quando ironicamente a ex-presidente “abraçou a política de GLOs”, iniciada ainda no último ano do governo Lula com a ocupação do Complexo do Alemão – e 2019, período em que as operações GLO chegaram ao auge com o governo Temer incluindo a intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do Rio em 2018 (a primeira e única da redemocratização). Não por acaso comandada pelo general Braga Netto, que hoje é homem forte do governo Bolsonaro. Natalia mostra como os julgamentos pateticamente injustos dos responsáveis pelas mortes foram acompanhados de mudanças de legislação para proteger os militares, a começar pela primeira delas, no governo Temer, quando também os homicídios dolosos voltaram a ser de competência da Justiça Militar.

A última operação enfocada é a Muquiço, na Vila Militar, quando o carro da família do músico Evaldo Rosa foi alvejado com 62 dos mais de 80 tiros de fuzil disparados por uma patrulha do Exército, matando Evaldo, de 46 anos, e o catador Luciano Macedo, de 27 anos, quando ele se aproximou para tentar ajudar o músico.

Para além de provar que a violenta operação, que provocou escândalo, já no governo Bolsonaro, era ilegal de origem, foi esse o caso que despertou Natalia a ir além das reportagens, como ela revela no prólogo:

“Não foi a comoção passageira em torno do fuzilamento que me levou a escrever este livro. O que me moveu foi ter lido e ouvido tantas vezes a respeito do sol forte que castigava Luciano Macedo, depois de baleado pelos soldados. Enquanto sua esposa implorava por socorro, Luciano agonizou sob o sol carioca por ter tentado salvar a vida de outro brasileiro, negro como ele, que nem sequer conhecia.

‘Me tira do sol’ foram algumas das últimas palavras desse catador de recicláveis que morreu como herói”.

É olhando para as vítimas que se descobre o que tramam os poderosos. É ouvindo o coração que uma repórter conta uma grande história. Um grande viva aos jornalistas da estirpe de Natalia Viana.

Quem está botando fogo na Amazônia, presidente? 

Dia do Fogo em Novo Progresso (Foto: Jornal Folha do Progresso): fogo em terras juquiradas próximas à cidade.

Por Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública, em sua newsletter semanal

Uma semana antes das queimadas da Amazônia se tornarem assunto global, o sul do Pará pegou fogo. Em 10 de agosto, como reportou Fabiano Maisonnave na Folha de S. Paulo, o Inpe registrou, de um dia para o outro, um aumento de 300% em focos de incêndio no município de Novo Progresso. Em Altamira, também no Pará, o salto foi ainda maior: 734% entre sexta e sábado. No domingo, sem nenhuma operação policial, o fogo aumentou.

Cinco dias antes, o jornal Folha do Progresso – uma publicação local – trazia uma informação que se revelou crucial depois que a fumaça dos despojos da floresta fez todo mundo chorar: os produtores da região haviam marcado uma data para “acender fogos em limpeza de pastos e derrubadas” em protesto contra a fiscalização ambiental. Adivinhem qual? 10 de agosto. Exatamente o dia em que a Amazônia ardeu.

Os produtores se diziam “amparados pelas palavras do presidente [Bolsonaro]”, segundo o jornal. Já os que sofriam com a fumaça e a destruição da floresta, puxada por Altamira e Novo Progresso, ficaram ao léu.

Dois meses antes, o Ibama havia desistido de instalar bases de fiscalização na região, como fazia em todos os períodos secos, porque o governador do Pará, Helder Barbalho, havia suspendido o apoio da PM à operação.

Isso, depois de funcionários do Ibama serem hostilizados em violento protesto de madeireiros ilegais em Placas, a 200 quilômetros de Novo Progresso.

O Ibama, que enfrenta as hostilidades presidenciais desde o início, é também o órgão mais prejudicado pelo corte de verbas do Fundo Amazônia – e não as ONGs como diz Bolsonaro para inflamar a torcida.

Já o Inpe, que registrou os focos de queimada e foi esculhambado por presidente e ministro do Meio Ambiente ao relatar uma alta de 278% do desmatamento da Amazônia em julho, provavelmente será substituído por uma empresa privada dos Estados Unidos, que já ganhou um edital prontinho para se encaixar.

Bolsonaro se diz nacionalista, incendeia as redes com paranoia xenófoba, e quer entregar aos gringos o monitoramento da Amazônia.

Comemora de forma estridente os cadáveres produzidos pela polícia, mas condecora milicianos e apoia os madeireiros e grileiros que atuam como organizações criminosas. E não apenas pela derrubada da floresta: eles ameaçam e matam indígenas, quilombolas e agricultores familiares que há muito enfrentam o fogo e a violência em suas comunidades e defendem a mata com a própria vida, como mostram as reportagens do Amazônia Sem Lei.

Ah, mas quem botou fogo na Amazônia, diz o presidente, foram as ONGs internacionais. Bom mesmo para preservar a floresta é abrir terras indígenas para o agronegócio e mineração e armar os fazendeiros e seus pistoleiros.

Mas tome cuidado, presidente, mais do que turvar a visão, a fumaça que vem da Amazônia parece estar abrindo os olhos dos brasileiros – ao menos daqueles que se importam. São esses que sempre fazem a diferença.

Jornalista e fonte: ligações perigosas

Por Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

Dia desses vi ressuscitada nas redes de direita uma reportagem que fiz entre 2011 e 2012, nos primórdios da Pública, com um ex-delegado do DOPS, João Paulo Bonchristiano, fruto de seis meses de conversa no apartamento dele no Brooklyn. Os posts que a traziam para 2019 destacavam frases em que ele louvava o extermínio de “bandidos” (categoria que abarcava os “comunistas”) e concluíam: “obviamente a jornalista queria falar mal do delegado, mas ele tinha razão”.

Fiquei pensando como o Brasil mudou nesses sete anos, e o quanto isso estaria relacionado à Comissão da Verdade, instalada em maio de 2012 por Dilma, presa e torturada pela ditadura. O general Sérgio Etchegoyen, que depois se tornaria o homem forte do governo Temer, foi um dos militares que protestaram contra as investigações da Comissão, que confirmaram o assassinato de 434 pessoas e a tortura de 1.843 presos políticos pelos órgãos da repressão, como o DOPS de Bonchristiano.

Era esse o gancho da reportagem, como expliquei ao ex-delegado que imediatamente afirmou que não iria depor na Comissão porque não era “dedo duro”, sinalizando os limites também para a entrevista que daria para mim. Propus então que ele só respondesse às perguntas que quisesse, desde que tudo fosse gravado. Ávido por rememorar suas façanhas no DOPS, ele aceitou, e até foi buscar uma foto em que aparecia ao lado do cantor Roberto Carlos, de quem “fazia a segurança”, afirmou.

Minha intenção era fazer o perfil de um agente da repressão e exibi-lo aos olhos da sociedade do século 21, então no auge da democracia. Para isso, bastava que ele ficasse à vontade, mantendo o ritmo quase terapêutico dos nossos encontros – sempre às terças feiras à tarde, quando a mulher, desconfiada da jornalista desde o início, não ficava em casa. Para quem estava acostumado aos “teatrinhos” do DOPS – as histórias inventadas em inquéritos e BOs para encobrir assassinatos e sequestros -, mentir é moleza, e o dr. Paulo era um bom ator. Mas todo homem – mesmo aquele que mandava um policial torturador buscar a filha pequena na escola (ela morria de medo dele, me confidenciou a esposa, em um momento de franqueza) – tem o seu ponto fraco, e o de Bonchristiano, como o de tantas fontes, era a vaidade. E a carteira.

Aposentado aos 53 anos, ele recebia 11 mil reais mensais. E queria mais. A todo encontro, tentava me persuadir a escrever sobre um projeto de equiparação de salários da polícia civil com o Ministério Público, que acabou recusado na Assembléia antes da conclusão da reportagem. As entrevistas se encerraram pouco depois quando, sem aviso ou explicação, o dr. Paulo reproduziu uma conversa que tive com meu filho pelo celular para me comunicar que eu estava grampeada – acho que ele também estava. Parece que havia mais gente além da mulher dele preocupada com o quanto Bonchristiano estava falando à jornalista.

Por fim, as mais de 15 horas de conversas gravadas renderam revelações (depois que confrontadas com outras fontes), como a relação cotidiana dos agentes americanos com o DOPS, a montagem da Polícia Federal em São Paulo com dinheiro do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, os detalhes da prisão dos estudantes da UNE em Ibiúna.

O mais importante, porém, foi levar aos leitores o retrato de um agente da repressão no momento em que se iniciava a Comissão da Verdade e os Levantes da Juventude cercavam as casas dos torturadores para denunciá-los à sociedade.

Embora seu nome não conste das listas de torturadores, o dr. Paulo acobertava e aplaudia os crimes praticados na “repartição” – até assistia à retirada clandestina dos corpos.

Seu papel era assinar inquéritos com fatos que sabia distorcidos ou falsos, conduzir pessoas visivelmente torturadas em diligências, trocar informações com os agentes da CIA no Brasil e atuar como uma espécie de Relações Públicas, do DOPS, como descreveu o jornalista Percival de Souza.

Quando a matéria foi publicada, recebi um telefonema indignado de sua mulher, acusando-me de usar “a vaidade de um velho” para escrever uma reportagem de sucesso.

Respondi que ele havia falado livremente, com o gravador à mostra, e que escrever o que considerava de relevância pública era meu ofício. Mas fiquei abalada – não se frequenta a casa de alguém por tanto tempo impunemente.

Só sosseguei quando recebi um e-mail de uma neta de Bonchristiano agradecendo a reportagem. O mistério que sempre rondou a figura do avô, ela disse, finalmente estava esclarecido e, por pior que fosse, ela agora conseguia perdoá-lo. Ela e sua tia, a menina que era buscada na escola pelo torturador, defenderam a instalação da Comissão da Verdade nas redes sociais.

O próprio Bonchristiano, me disse uma colega, colaborou com investigações da comissão em São Paulo. E até mandou um recado dizendo que estava com saudade de nossas conversas.

Não posso dizer o mesmo. As atrocidades ditas por Bonchristiano se tornaram quase banais no país de Bolsonaro.

Mas sinto saudade do país que buscava a verdade com a mesma coragem da filha e da neta do ex-delegado. A luz do sol continua a ser o melhor desinfetante.

Não é preciso ser ogro para ser “de direita” 

Newsletter semanal da Agência Pública, por Marina Amaral, co-diretora.

Ao explicar a razão da demissão de quatro dos sete membros da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o presidente Bolsonaro, que assinou o decreto junto com a ministra Damares, disse: “O motivo é [que] mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém reclamava”.

“Ao que tudo indica, foi represália”, afirmou a procuradora Eugênia Gonzaga, dizendo em alto e bom som o que todos sabiam: a demissão dela e de três de seus colegas veio em consequência do repúdio que o órgão manifestou a respeito da vergonhosa declaração de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, assassinado pela ditadura conforme a própria comissão havia atestado no dia 24 passado. Felipe Santa Cruz, junto com 12 ex-presidentes da OAB, está interpelando o presidente da República judicialmente para que explique suas declarações de segunda-feira passada sobre seu pai: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto. Ele não vai querer ouvir a verdade”. Depois, Bolsonaro acrescentaria que Fernando teria sido vítima de seus próprios correligionários “sanguinários”.

Fernando Santa Cruz era um líder estudantil pernambucano que foi preso três dias depois de seu aniversário de 26 anos, em 1974, no Rio de Janeiro. Integrava a Ação Popular (AP), grupo que nunca esteve envolvido na luta armada, ao contrário do que disse o presidente.

Também é mentira insultuosa referir-se a “terroristas” na comissão. A procuradora Eugênia Gonzaga trabalha com mortos e desaparecidas desde os anos 1990, e era menina nos anos de chumbo; a dra. Rosa Cardoso da Cunha é jurista e foi advogada de presos políticos e coordenadora da Comissão Nacional da Verdade; o coronel João Batista da Silva Fagundes – sequer se qualifica como ‘de esquerda’ -, e Paulo Pimenta, deputado do PT-RS, era menino em Santa Maria e entrou na política na época das Diretas Já.

As declarações de Bolsonaro, que podem ser enquadrados como crime de responsabilidade, segundo o jurista Gilson Dipp, provocaram o repúdio não apenas da comunidade jurídica e das organizações de direitos humanos. No Congresso, até parlamentares aliados criticaram a postura do presidente da República. O deputado Vinicius Poit, do Partido Novo, foi massacrado nas redes sociais por se manifestar sobre o tema, e apoiadores de Bolsonaro se atiraram como hienas sobre a vítima da ditadura, espalhando mentiras e piadas cruéistambém sobre seu filho, o presidente da OAB, que perdeu o pai aos 2 anos de idade.

Os que se definem como “de direita”, mas não compactuam com crimes, devem traçar uma linha clara de separação dos extremistas como o presidente Bolsonaro. Como bem disse o governador do Maranhão, Flávio Dino, ao repórter Vasconcelo Quadros, o perigo da ruptura democrática está exatamente no destemperado presidente e em seus círculos mais próximos. Não é preciso se comportar como um ogro para ser “de direita”.

Os hackers na caixinha de surpresas

Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública, em sua newsletter semanal.

Enquanto a Polícia Federal negava aos jornalistas a existência de vínculo entre as prisões dos hackers de Araraquara e os diálogos vazados pelo Intercept, o ministro Sérgio Moro estabelecia essa relação publicamente ao tweetar às 14h09 de quarta-feira: “Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crimes”.

No dia anterior, a PF havia informado ao STF não haver investigação contra o jornalista Glenn Greenwald.

A notícia de que um dos hackers teria dito à polícia que deu ao Intercept acesso à informação capturada veio no Estadão na madrugada de quinta. Não há nenhuma declaração entre aspas – foi informação soprada por alguém da Polícia Federal. Mas a partir daí os fatos se sucederam com rapidez, com asuposta confissão do líder do grupo, Walter Delgatti Neto, publicada na tarde de quinta-feira, de que teria levado o conteúdo capturado ao Intercept. Gratuitamente e de forma anônima, como sempre sustentou o veículo. Além disso, segundo os investigadores, Delgatti responde a seis processos nas Justiças de São Paulo e de Santa Catarina por estelionato, furto qualificado, tráfico de drogas e outros delitos. Ou seja, tudo que ele disser, terá de ser comprovado. E é melhor tomar cuidado com conclusões apressadas.

Com tantos interesses em jogo, como demonstra o comentário afoito de Moro, o mais importante é lembrar que a liberdade da imprensa é que garante o direito à informação da sociedade.

É evidente o interesse público dos vazamentos do Intercept e há muitas comprovações de que os diálogos são verdadeiros – como de início admitiram até os envolvidos.

A mais recente delas partiu do ministro do STF Luís Roberto Barroso ao esclarecer as circunstâncias em que se deu o convite para Moro e Dallagnol comparecerem a um jantar – referido nas mensagens vazadas.

Todas as evidências são de que Glenn e seu site agiram em nome do interesse público ao publicar os diálogos – verdadeiros – que expuseram a ligação de Moro com os procuradores.

Nesse caso, vale a vasta jurisprudência brasileira que “garante aos jornalistas o direito de publicar reportagens que contenham interesse público mesmo que embasadas em documentação obtida a partir de um crime”, como lembrou no podcast “Café da Manhã” o repórter Rubens Valente, que fez a cobertura da prisão dos hackers para a Folha de S. Paulo.

“Então seria uma grande surpresa que o Judiciário entendesse de maneira diferente agora”, afirmou Valente.

Estamos todos cansados de surpresas; principalmente por parte do Judiciário.

Máscaras de carnaval 

Por Marina Amaral, codiretora da Agência Pública, em sua newsletter semanal.

Não durou nem até quarta-feira de cinzas o amor entre Jair Bolsonaro e os brasileiros. A fé de 65% da população que, no dia da posse, disse esperar um bom governo, não resistiu: são apenas 39% os que agora avaliam positivamente o mandato, segundo pesquisa CNT/MDA divulgada nesta semana.

Para além da alta no desemprego e do mau desempenho do PIB, a máscara do capitão anticorrupção escorregou, mostrando um homem acuado.

Depois da exposição de seu filho Flavio, envolvendo funcionários de seu gabinete na Alerj, milicianos e amigos da família, Bolsonaro se afundou em novo escândalo com as fraudes na distribuição de verbas públicas às candidaturas do seu partido (PSL).

A demissão de Bebbiano gerou o vazamento de áudios que, além de desmentirem cabalmente o presidente da República, mostraram leviandade no trato de assuntos governamentais – em família e no whatsapp -, sem falar na qualificação de emissoras de TV como amigas e “inimigas”.

Com a credibilidade do presidente em crise, os liberais que pegaram carona no “mito” Bolsonaro tremem diante da dificuldade de aprovar a Reforma da Previdência sem apoio da opinião pública.

Até seguidores ferrenhos do “mito” responderam na lata a Carlos Bolsonaro, quando ele propagandeava nas redes o projeto da reforma da previdência.

“Seu pai podia fazer uma ‘live’ explicando como se aposentar aos 33 anos de idade”, comentou um deles de acordo com a coluna de Monica Bergamo.

Mesmo que se aceite o achatamento dos benefícios daqueles que trabalham (os ricos, obviamente, não precisam da previdência), como querem governo, mercado e mídia, não há como não se indignar ao ver a ausência do debate sobre esse tema essencial. Infelizmente a imprensa não manteve o ímpeto investigativo em relação a esse assunto: até agora sabe-se muito pouco do que se esperar com a mudança, além do trilhão que seria poupado.

O sistema de capitalização continua a ser uma perigosa incógnita e poucos foram informados – antes da reação contrário da Congresso – do tratamento repugnante reservado aos mais vulneráveis; das mudanças na aposentadoria rural às novas regras para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que hoje paga um salario mínimo a idosos e deficientes em situação miserável.

Não há como imaginar uma reforma previdenciária minimamente justa sem ouvir a sociedade.

É preciso analisar com frieza quem ganha e quem perde com o atual projeto, investigar seu impacto, e dar voz aos cidadãos e aos seus representantes políticos – sindicalistas e movimentos sociais -, até agora ignorados.

E seguir de perto como se comportam os que ficaram de fora, como os militares, cada vez mais fiadores de um governo que soa perigosamente amador.

Ou teremos outros mitos rasgando a fantasia depois do Carnaval.

O jornalismo resiste

Patrícia

A reportagem de Patrícia Campos Melo na Folha de hoje traz revelações importantes para compreender a campanha eleitoral deste ano. De acordo com a investigação, a inundação de fake news transmitida pelo Whatsapp – aplicativo utilizado por 44% dos brasileiros para acessar notícias e informações políticas, conforme o Datafolha – teve patrocínio graúdo. Foram empresários pró-Bolsonaro que pagaram os disparos em massa contra o PT, através de contratos de 12 milhões de reais celebrados com os que burlam a lei.

A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas vedada pela legislação eleitoral, e não declarada”, destaca a reportagem (veja o link nas recomendações abaixo). Pode ser mais do que isso: de acordo com o Valor Econômico, o PT estuda medidas judiciais para apurar crimes de organização criminosa, caixa 2, calúnia e difamação.

Para a democracia o prejuízo é maior. Todos nós assistimos estarrecidos a onda de mentiras que arrasa qualquer possibilidade de debate, pilar da democracia, nessa campanha. Não existem argumentos contra armas emocionais como o kit gay – falsidade compartilhada por milhares de pessoas como mostrou a reportagem da Pública dessa semana – ou a lamentável mamadeira erótica.

O dano da desinformação ao debate eleitoral provocou outro fato relevante nessa semana. Os professores Pablo Ortellado, da USP, Fabrício Benevenuto, da UFMG, e a jornalista Cristina Tardáguila, da agência de checagem Lupa, escreveram um artigo no New York Times pedindo ao Whatsapp “medidas capazes de reduzir a intoxicação da vida política brasileira”. Basicamente, a restrição de encaminhamentos, de transmissões e de número de usuários em grupos do aplicativo. Essas medidas dificultariam a estratégia das empresas que fazem os disparos em massa, mais voltados para difamar os opositores do que para fazer propaganda propriamente dita.

Provavelmente os efeitos dessas revelações, medidas e ações judiciais não conseguirão desfazer o estrago já realizado. Mas podem ser suficientes para que as instituições – incluindo a imprensa – acordem a tempo de salvar a democracia, denunciando e criminalizando os responsáveis por minar a cidadania, a informação e os direitos constitucionais.

Normalizar a mentira, o discurso pró-tortura, a ditadura, a homofobia, o racismo, e o machismo é mais grave – e duradouro – do que qualquer resultado eleitoral.

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública