Fundamentos da moral, um artigo de Contardo Calligaris

Você quer uma moral laica, inspirada pela razão? Pois bem, seus fundamentos serão frágeis (e engraçados).

Num belo dia de 1760 ou por aí, Denis Diderot recebe a notícia de que Jean-Jacques Rousseau desistiu de escrever o verbete “Moral” da grande Enciclopédia, da qual Diderot é um dos editores-chefes. A impressão do décimo volume da obra está parada na espera do texto. A solução é Diderot escrevê-lo, na hora, ao longo de uma tarde durante a qual várias circunstâncias colocam à prova, justamente, a moralidade do filósofo.

Essa é a situação apresentada na peça “O Libertino”, de Eric-Emmanuel Schmitt, em cartaz até 27 de novembro no teatro Cultura Artística Itaim, em São Paulo. A peça foi adaptada e é dirigida por Jô Soares, com o brio alegre de uma farsa de Feydeau ou de uma comédia de Goldoni, e com um elenco particularmente feliz (a começar por Cassio Scapin, que é Diderot). Um provérbio latim diz que, rindo, a comédia critica os costumes. “O Libertino” nos leva não só a criticar nossos costumes, mas a examinar os frágeis fundamentos de nossas normas morais. Vamos com calma.
O evento apresentado na peça é uma ficção. O verbete “Moral”, como quase um terço da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, foi escrito pelo cavalheiro Jaucourt, que redigiu sozinho mais de 17.000 verbetes, até merecer o apelido de “escravo da Enciclopédia”. O cavalheiro era culto e sem brilho: o verbete “Moral” é um texto chato, com uma ou outra afirmação ousada -por exemplo, Jaucourt escreve que a moral é um investimento mais seguro do que a fé, porque um ateu virtuoso pode se salvar, enquanto não há salvação para um crente vicioso. Mas o que é virtuoso e o que é vicioso?  Continue Lendo “Fundamentos da moral, um artigo de Contardo Calligaris”