O enredo da tragédia em dez pontos. A cronologia do golpe durante 15 anos.

Por Reginaldo Moraes

Vamos recordar o que já sabemos ou deveríamos saber. Ou o que sabemos sem saber que sabemos, porque não juntamos os pontos.

A memória é algo parecida com a fábula – você entra na floresta e vai deixando pedaços de pão para marcar o caminho. Acontece que o espírito humano é povoado de pássaros que comem alguns dos pedaços.

A trajetória se embaralha. O que me sobrou foi mais ou menos o seguinte:

1. A preparação do golpe foi longa, perde-se no tempo. Alguns já o anunciavam lá por 2004, como o famoso sociólogo que dizia que “não vamos derrubar agora, vamos fazer Lula sangrar como um porco”.

Muito chique, o príncipe. E o golpe não foi pensado nem executado apenas (nem principalmente) por aqueles que hoje dele se beneficiam diretamente. Muita droga ficou pelo caminho, inclusive aquela que vinha em helicópteros.

2. Em 2013, o golpe era armado por uma colaboração da Casa Grande com a Casa Branca. Pela Casa Grande jogavam os tucanos, em suas diversas facções concorrentes – a do Serra, a do Aécio, a do Alkmin.

FHC, como sempre, dava uma de pai-de-todos. Acostumou-se à figura do pai fajuto, putativo. Pela Casa Branca jogavam Obama e Hilary (não era Trump). Os famosos irmãos republicanos, os Koch, ainda eram coadjuvantes.

Naquela ocasião, a dupla Obama-Hilary fazia aqui no Brasil aquilo que fizera no mundo inteiro – fomentava “revoluções coloridas” e “organizações horizontais”.

Dera certo na Tunísia, no Egito, na Ucrânia, meio certo na Líbia (onde foi preciso uma ajudinha pela força aérea) e menos certo na Síria, onde até inventaram uma facção islâmica, seguindo a tradição já iniciada com a experiência Al Qaeda.

3. Os gringos articulavam com os tucanos e preparavam a retaguarda, com a NSA espionando os telefones e correios da Petrobrás, de empreiteiras e até do Palácio do Planalto.

Organizavam material que seria repassado aos gloriosos tucanos da Policia Federal e ao braço curitibano da inteligência americana.

Os think tanks da nova direita treinavam os “movimentos” locais. Vem Pra Rua surge como “rótulo” já nas manifestações de junho-2013, mas o grupo é fundado no segundo semestre, o MBL, um pouco depois.

E por aí adiante foram criadas essas “empresas promotoras de eventos”, travestidas de movimentos sociais.

4. A Lava-Jato é iniciada em fevereiro de 2014, com grande alarde e poderoso esquema de mídia, alimentada por vazamentos bem calibrados.

O plano era um tanto óbvio: deveriam ser um crescendo até as eleições de outubro, para induzir a vitória de Aécio Neves. Aliás, no começo de 2014, essa era a minha aposta: os tucanos ganhariam a eleição e haveria um retrocesso.

Errei no prazo e na dimensão do retrocesso. Não deu pro Aécio, mas quase, a diferença foi pequena.

Pelo menos encostaram o suficiente para se sentirem seguros no plano B, o golpe do impeachment. E quando conseguiram, o balão não caiu na mão deles. Ficou para outros.

5. Durante o processo, lembrem, John Kerry, o secretário de Estado substituindo Hilary, veio ao Brasil negociar o comportamento do novo governo, que eles achavam que seria tucano: entregar o petróleo era o prato principal.

Só esqueceram de combinar com os russos.

6. Deu ruim, o enredo desandou. Do lado de lá, Hilary não ganhou – ganhou o que Serrra e Aluisio diziam ser o partido republicano de porre, Trump, o inesperado e indesejado. Do lado de cá, o tiroteio entre os tucanos queimou a todos eles. Depois da tempestade, sobrou para alguém que prometera fuzilar… o príncipe tucano.

O candidato forte de Moro não era Bolsonaro – ele nem estava no radar. Era Aécio o preferido. Como dizem os economistas, Bolsonaro era o second best. A besta primeira era o Aécio, Bolsonaro era a segunda besta. Mas foi a besta que sobrou. Se não tem tu, vai tu mesmo. Você precisa de um homem pra chamar de seu, mesmo que seja eu.

7. Feito o jogo, apurados os resultados, empossado o novo comandante, restava vender as peças roubadas. Para os compradores que havia. Estão vendendo.

8. Santos Cruz, o general despejado pelo astrólogo, diz que o governo é um show de bobagens. Um desgoverno. Pode ser. Mas essas bobagens criaram um leito de rio, mudaram o rumo das coisas, criaram situações de fato. Mudanças legais monstruosas emplacaram. Contratos enormes foram feitos, comprometendo o acervo do país.

Se mais adiante alguém quiser revogar contratos internacionais, vai ter que afirmar claramente que são criminosos, fraudes. E, mais do que dizer, vai ter que agir conforme a palavra: julgar e condenar os criminosos.

Uma transição, agora, é ainda mais complicada, menos “doce”. Porque o adversário dobrou a aposta e radicalizou os termos do confronto.

9. Um governo não cai, é derrubado. Hoje, essa ocorrência é duvidosa. Quem tem poder para fazê-lo, não tem interesse nisso. Quem tem interesse, não tem poder.

10. Esse suspense é desastroso. O país está sob cerco e clima de sabotagem há cinco anos.

Sem esperanças, vendendo o jantar para pagar o almoço. A desagregação – econômica, social, política, psico-social – tem a quem interessar. Alguém ganha com esse desmanche total.

Os filósofos chamam esse ganhador externo de Deus ex-machina, o agente poderoso, que fica fora das engrenagens usuais. Há um candidato óbvio para esse papel. A águia de cabeça branca.

Us homi lá de cima, os demônios que descem do norte.

Nesta madrugada, há 55 anos, o início do golpe, a longa noite que durou 21 anos.

Vladimir Herzog, chefe de jornalismo da TV Cultura, torturado até a morte nos porões do II Exército, em 1975. Aí aconteceu o início do fim do Golpe, com Geisel se postando contra a linha dura do Exército. O regime ainda ficou de pé por 11 anos, mas a volta à democracia já podia ser vista no horizonte, apesar da intensa repressão.

O engenheiro eletricista e ativista político Johann Kepler, que homenageia o astrônomo com seu nome, afirma no Twitter:

Há exatos 55 anos, no dia 1°de abril de 1964, durante a madrugada, anoiteceu. Uma noite que durou 21 anos e resultou em centenas de assassinatos, milhares de pessoas torturadas, genocídio de índios, desaparecimentos, sequestros, corrupção, censura e ausência total de democracia.

Por documentos descobertos recentemente, conforme publica The Intercept, cerca de 20 mil pessoas foram presas durante a ditadura. Outros informes dizem que 8.000 índios foram mortos, principalmente na região de Tucuruí, por transmissão de doenças, alcoolismo ou simplesmente assassinados por “brancos revolucionários e patriotas”.

Não pense que os militares ficarem imunes: 6.500 deles foram detidos e expulsos do Exército, entre eles o capitão idealista, Carlos Lamarca, assassinado durante uma crise de asma nas dunas do rio São Francisco, em Ibotirama, depois de perseguido por semanas.

Passados 55 anos os fatos aqui narrados começavam a cair no esquecimento, quando o semovente no poder resolveu comemorá-los e reescrever a história.

O Brasil, uma grande Venezuela. Por que perseguem Lula?

Descoberta e partilha do petróleo do Pré-Sal condenou Lula.

Por Nilson Lage

Por que perseguem Lula?
A primeira premissa de minha tese é que o real aparente – protagonismo dos juízes de uma safra incrivelmente medíocre, discurso único da mídia e ascensão de uma seleção de picaretas para compor o governo formal – é apenas máscara de nova intervenção norte-americana, tal como em todos os processos políticos traumáticos dos últimos 70 anos.

Lula não era, em princípio, antipático ao império gringo. Poderia seguir com sua política “populista” de favorecimento da população pobre e expansão da área social do Estado sem incomodar muito: afinal, como as fontes de receita tributária são limitadas, alguma crise econômica colocaria em xeque esses benefícios, em futuro previsível, e favoreceria a volta em pêndulo para o neoliberalismo ou algo parecido.

Lula começou a ser problema quando disse ao almirante que tocasse o projeto do submarino nuclear, plantou pelo país uma porção de centros tecnológicos e núcleos de pensamento estratégico nas diferentes áreas do saber, ou introduziu o ensino de humanidades no projeto de formação das escolas técnicas.

Todo mundo sabe que os mísseis brasileiros não voam mais de 300 quilômetros, não é permitido ao Brasil dominar tecnologias dos supersônicos, informática, nuclear ou espacial, construir grandes navios ou aviões; ocupar economicamente a Amazônia nem pretender implantar indústrias de semicondutores ou química fina. Várias dessas limitações estão sacramentadas ou implicadas em tratados internacionais aceitos por cumplicidade, ingenuidade ou estupidez.

Lula tratou de contornar tais barreiras, sem transpô-las.

Mas o golpe final e decisivo foi a escolha da partilha para a exploração de campos petrolíferos descobertos e prospectados com tecnologia própria na área do pré-sal que o Brasil conquistou mediante comprovação de capacidade. Eram os recursos e a alavanca de poder que faltavam.
Ao Brasil nunca foi permitido sonhar – muito menos viabilizar seus sonhos.

O aspecto pior dessa análise é que se, de fato, é o império que determina o suplício de Lula, são escassas as perspectivas de sua libertação em algum momento. Os Estados Unios não têm precedentes de permitir a sobrevivência de pessoas que elege como inimigos: mata-os, como a Saddam ou Kaddafi, ou anula-os, como a Assange.

Neste caso, só mesmo uma união nacional que transcendesse bandeiras partidárias salvaria o líder aprisionado.