Jornalista relata em livro detalhes da engrenagem do ódio nas eleições 2018.

A jornalista Patrícia Campos Mello. Da Rede Brasil Atual e DCM.

Sabedora do que significa ser alvo de ataques bolsonaristas, a jornalista Patrícia Campos Mello registrou em livro tudo o que sabe sobre o gabinete do ódio. Ou mais, como define: A Máquina do Ódio, título da obra lançada pela Companhia das Letras. Em entrevista a Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, do canal Tutaméia, no YouTube, Patrícia Campos Mello revela muito do que descobriu em suas premiadas reportagens na Folha de S.Paulo. E também na produção do livro que começou a escrever em maio do ano passado. “Não tinha nada de história pessoal, a princípio. Era meio uma comparação mesmo entre políticos populistas de direita usando campanha de desinformação na Índia, nos Estados Unidos e no Brasil. E que ia ser baseado nas minhas experiências nas coberturas de eleições nesses países”, relata.

Tudo mudou depois de uma reportagem publicada dias antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, no Brasil.

“Não sou repórter de política, essa não é minha praia. Mas como a gente faz as forças-tarefas nas eleições, eu tava ajudando na cobertura e tinham saído várias matérias sobre o uso de WhatsApp, de grupos no WhatsApp. Resolvi tentar ir atrás de ver quem estava pagando (os disparos das mensagens)”, lembra.

Durante cerca de um mês, a repórter conversou com marqueteiros, clientes, ex-funcionários de agência de marketing.

“E aí o que eu tinha era que os caras estavam todos informados de que eles não podiam mais fazer nenhum serviço de disparos em massa porque eles tinham recebido mega encomenda de disparos para a semana anterior ao segundo turno. Disparos contra o PT, pagos por empresas. A matéria era isso.”

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O jornalismo resiste

Patrícia

A reportagem de Patrícia Campos Melo na Folha de hoje traz revelações importantes para compreender a campanha eleitoral deste ano. De acordo com a investigação, a inundação de fake news transmitida pelo Whatsapp – aplicativo utilizado por 44% dos brasileiros para acessar notícias e informações políticas, conforme o Datafolha – teve patrocínio graúdo. Foram empresários pró-Bolsonaro que pagaram os disparos em massa contra o PT, através de contratos de 12 milhões de reais celebrados com os que burlam a lei.

A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas vedada pela legislação eleitoral, e não declarada”, destaca a reportagem (veja o link nas recomendações abaixo). Pode ser mais do que isso: de acordo com o Valor Econômico, o PT estuda medidas judiciais para apurar crimes de organização criminosa, caixa 2, calúnia e difamação.

Para a democracia o prejuízo é maior. Todos nós assistimos estarrecidos a onda de mentiras que arrasa qualquer possibilidade de debate, pilar da democracia, nessa campanha. Não existem argumentos contra armas emocionais como o kit gay – falsidade compartilhada por milhares de pessoas como mostrou a reportagem da Pública dessa semana – ou a lamentável mamadeira erótica.

O dano da desinformação ao debate eleitoral provocou outro fato relevante nessa semana. Os professores Pablo Ortellado, da USP, Fabrício Benevenuto, da UFMG, e a jornalista Cristina Tardáguila, da agência de checagem Lupa, escreveram um artigo no New York Times pedindo ao Whatsapp “medidas capazes de reduzir a intoxicação da vida política brasileira”. Basicamente, a restrição de encaminhamentos, de transmissões e de número de usuários em grupos do aplicativo. Essas medidas dificultariam a estratégia das empresas que fazem os disparos em massa, mais voltados para difamar os opositores do que para fazer propaganda propriamente dita.

Provavelmente os efeitos dessas revelações, medidas e ações judiciais não conseguirão desfazer o estrago já realizado. Mas podem ser suficientes para que as instituições – incluindo a imprensa – acordem a tempo de salvar a democracia, denunciando e criminalizando os responsáveis por minar a cidadania, a informação e os direitos constitucionais.

Normalizar a mentira, o discurso pró-tortura, a ditadura, a homofobia, o racismo, e o machismo é mais grave – e duradouro – do que qualquer resultado eleitoral.

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública