Ninguém escreve às mães que perdem seus filhos nesta selva de pedra.

Roberto DaMatta escreve, no Estadão, sob o título “Sobrevivências”, um artigo em que deixa transparecer que, se para o IBGE, viramos números, aquilo que chamamos de sociedade brasileira, virou uma Saigon, uma Bagdá, as montanhas do Afeganistão. A Rocinha. Morre-se muito nesta economia dita “emergente”. Morremos e não vamos para o céu. Vamos parar nos arquivos implacáveis do IBGE. Vale a pena ler o instigante artigo, escrito com primor e garimpado por nosso assessor de boas leituras, João Paulo N. Sabino de Freitas, do qual reproduzimos um trecho:

“Os novos dados populacionais radiografam um certo Brasil: o Brasil dos números e índices. Alguns falam em mudança – essa nossa obsessão -, outros observam os dramas. Um deles chama minha atenção. Estamos ficando mais velhos e morrem muitos jovens por morte matada. Por uma violência absurda com a qual pacífica e passivamente convivemos. Uma jovem mãe em Pernambuco, diz o Globo, perdeu cinco filhos no espaço de um mês!

Outro dia, reprisei para o meu neto Jerônimo o filme O Resgate do Soldado Ryan. Meu jovem neto achou “irado” a cabeça de praia que reproduz o desembarque na famigerada “Omaha Beach” em 6 de junho de 1944. Eu sempre fico com os olhos molhados quando vejo a mãe dos jovens Ryan recebendo a notícia oficial da morte de mais um dos seus filhos e ao ouvir a carta formal escrita por Abraham Lincoln a uma senhora que na Guerra Civil Americana perdeu quatro filhos. Generais escrevem belas cartas quando perdem soldados. Mães perdem as pernas quando perdem filhos. Eis dois papéis capitais. O do soldado herói sacrificado pela pátria (ou por alguma utopia) e o do mesmo jovem que, primeiro e antes de tudo, é um esteio quebrado como filho de alguma família.

Ninguém, que eu saiba, escreveu sequer uma carta para essa mulher menina que, mais do que a mãe do soldado Ryan, perdeu não três, mas cinco dos seus filhos para a violência urbana moldada a drogas, soldada a corrupção policial e cimentada pela nossa miserável capacidade de apenas reagir ao que somos.”