O Vôo do Falcão

por Durval Nunes

Vinicius Lena

Os suspensórios caminhavam lentamente pela rua. Eram de cor cinza, com listras azuis e se cruzavam nas costas sobre a camisa de tricoline branco, mangas curtas, que se enfiavam sob o cós de uma calça de linho azul marinho bem engomada, cujas bainhas caiam sobre as sandálias de couro trançado, tipo franciscanas. O seu dono, comprido e calvo e branco, de mãos incrivelmente sardentas cruzadas para traz, semblante passivo, mantinha a cabeça quase sempre erguida, procurado ninhos de sabiás nos galhos dos arvoredos que sombreavam aquela avenida. Por vezes tirava os óculos de aros finos para limpar as lentes, esperando uma visão mais límpida.

Passa o menino Dorico empurrando o carrinho de mão: – Vai uma água de coco bem natural, seu Vinícius? – Ah, sim; vai bem. Aceito sim. Enquanto o rapazinho escolhia um coco, no capricho, e pegava o “ponteiro” para fazer o furo, o cavalheiro sentou-se no banco de madeira, sem tirar os olhos da fronde dos oitizeiros.

– Pronto professor, ta aqui seu coco beleza!

– Obrigado meu guri. E pagou os dois reais.

Mal sorvido o primeiro gole passam dois sabiás em alvoroço e pousam no alto da copa, onde ele conseguiu vislumbrar um ninho. Seus olhos se iluminaram; seu rosto se abriu num sorriso. Agora, todos os dias ele viria ali, acompanhar e cronometrar a gestação daqueles dois seres canoros
E nesses instantes de devaneios passava uma eternidade que ele conseguia vivenciar a cada dia. E foram muitos dias, muitas eternidades vividas.

Além da observação dos oitis e dos ipês floridos na primavera, sobrava ainda uma pequena eternidade para espiar as correntezas mansas e remansosas do rio Grande, a partir do balaustre da Praça Landulfo Alves, onde cotejou seu centenário o areeiro Zé Preto.

Mas o apertume do destino ia comprimindo seu coração. A partida brusca do filho Vítor lhe ofereceu o desafio de continuar aquele caminho interrompido e guiar as páginas do Nova Fronteira. Já a viagem de Dona Sirley lhe abalou os alicerces. Não perdeu porém seu azimute, mas a estrada lhe parecia mais íngreme. Aguentou, afugentando a saudade com a alvorada dos galos da madrugada e a sinfonia dos pássaros no entardecer em seu sítio no Barreiras Norte.

Prosseguindo seu caminhar, sem pressa e sem medo, numa bela manhã resolveu decolar. E voou pra longe, num domingo de madrugada, para abençoar o filho e abraçar sua amada.
Adeus Senhor Lena. Boa Viagem. Aqui ficamos com saudades.

• Vinícius Azzolin Lena faleceu em 03 de julho de 2016, em Barreiras – BA.

Vinicius Lena nos deixa

Vinicius Lena

Vinicius Azzolin Lena, decano da imprensa do Oeste baiano, faleceu hoje, às 6 horas da manhã, no Hospital do Oeste. Gaúcho de Jaguari, Vinicius Lena era Editor Chefe do Jornal Nova Fronteira e membro da Academia Barreirense de Letras.

O Expresso registra aqui seus profundos pêsames à família enlutada.

A jornalista Miriam Hermes, publicou no Jornal Nova Fronteira, a despedida para Vinicius:

O editor do jornal Nova Fronteira, Vinícius Azzolin Lena, 85 anos, morreu na manhã de hoje, 03 no setor de Unidade de Terapia Intensiva do Hospital do Oeste, em Barreiras, onde estava internado há cerca duas semanas. O corpo será velado no plenário da Câmara Municipal de Barreiras a partir das 18h e o sepultamento acontecerá no Cemitério Jardim da Saude, às 09h de amanhã.

Riograndense de Jaguari, também era cidadão barreirense em título concedido pela Câmara de Vereadores, fato que muito lhe orgulhava. Chegou na Bahia em 1986, dedicando-se no princípio à atividade agropecuária.

Desde 1991, com a morte trágica do filho Victor Emmanuel Lena, assumiu com o filho Eduardo Vencato Lena e a nora Leila Ribeiro, a continuidade do jornal Nova Fronteira.

Vinícius deixa uma lacuna na cultura local, onde era uma referência entre jornalistas, poetas, escritores e amigos. Além de publicações em diversos sites dedicados à literatura, editou os livros Traçando Barreiras (ilustrado por desenhos de Júlio Cézar da Cruz) e Pequenas Histórias. Também era membro fundador e ex-presidente da Academia Barreirense de Letras (ABL).

Formado em Contabilidade na cidade de Santa Maria (RS), alimentava na juventude o sonho de fazer medicina. Estudou inglês, latim, espanhol, francês e italiano. Por dificuldades financeiras abdicou do sonho e retornou às raízes da família de origem italiana em Jaguari, onde se casou aos 28 anos com Sirlei Magdalena Vencato Lena (In Memoriam) e tiveram quatro filhos: Vitor Emanuel Lena (In Memoriam), Marcos Daniel Lena, Eduardo Vencato Lena e Vanessa Vencato Lena. Vinícius deixa oito netos.

Para encerrar, deixo um poema de sua autoria, publicado no site Recanto das Letras em dezembro de 2009.

AGORA VOU

Agora vou cuidar de flores
Delicadas dádivas da natureza
Relembrando meus antigos amores.

Agora vou fixar-me só nas estrelas
Com seu eterno cintilar de vagalumes
Para pensar que serão minhas, mesmo sem tê-las.

Agora vou mirar-me no espelho
Da luz de teu olhar de lânguidos encantos
Para sonhar o amor, sem atropelo.

Agora vou vestir minh’alma nua
Com a roupagem da sabedoria pura
Para fechá-la depois com chave gazua

Agora irei pelo caminho das pedras
Desviando-me das mais pontiagudas
Pisando só onde a erva não medra.

Agora vou sorver o nectar delicado
Da uva, que reconforta meu existir profano
E para Deus no ceu, demonstrar meu agrado.

Agora vou nadar no rio do Tempo
Que cai em catadupas, gerando forças
Para levar-me a um final cheio de alento

Agora que cheguei até onde estou
Onde as emoções, sim, me fazem persistir
Pensando como a vida é bela, agora vou…