Opinião: O diploma da profissão-fantasma

Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa

Uma nota na Folha de S. Paulo informa, nesta quinta-feira (7/8), que o Conselho de Comunicação Social do Congresso aprovou, por 6 votos a 4, a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que restabelece a obrigatoriedade do diploma de curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista.

Um dos argumentos citados pelo jornal é o de que a qualificação universitária é necessária para o “bom jornalismo”.

Pimenta, jornalista gaúcho de Santa Maria, autor da PEC que não anda por pressão da grande imprensa.
Pimenta, jornalista gaúcho de Santa Maria, autor da PEC que não anda por pressão da grande imprensa.

As opiniões contrárias, emitidas por representantes das empresas de mídia, apelam para aspectos legais, ao questionar a atribuição do Congresso para rever um tema sobre o qual há uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Mas também é citada opinião segundo a qual “o bom jornalismo não é exercido apenas por profissionais com diploma universitário”.

Por falta de espaço, o que significa dizer falta de interesse, o diário paulista deixa o assunto flutuando no mesmo mar de imprecisões e argumentos dúbios que levou o STF a suspender a obrigatoriedade do diploma em 2009.

A Proposta de Emenda Constitucional no. 386/2009, de autoria do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), foi aprovada pelo Senado em 2012 mas não tem prazo para ir a votação na Câmara.

A imprensa acompanha o assunto com aparente desinteresse, comparando-se à grande mobilização que levou à decisão no STF por 8 votos a 1.

Na ocasião, o argumento que convenceu a maioria dos ministros a aprovar o parecer do relator Gilmar Mendes foi o julgamento de um caso levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Na ocasião do intenso debate promovido por jornais, revistas e emissoras de televisão e rádio em 2009, os defensores do fim da obrigatoriedade do diploma tinham como ponto de apoio o julgamento de um processo, em 1985, no qual a Corte Interamericana condenava a regulação da profissão de jornalista na Costa Rica, onde o exercício do jornalismo era restrito a membros de uma entidade profissional.

O parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos não tinha relação com o caso brasileiro, onde nunca se exigiu que alguém fosse filiado a um sindicato, associação, conselho ou colegiado para exercer o jornalismo profissional.

Uma questão de justiça

Como sempre acontece com assuntos nos quais coloca seu interesse corporativo, a imprensa hegemônica no Brasil omitiu que se utilizava como jurisprudência um caso diverso do que estava em julgamento, e lançou mão do argumento segundo o qual a obrigatoriedade do diploma limitava a liberdade de expressão.

Acontece que a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos nunca se referiu a uma lei federal condicionante do exercício profissional, como ocorria no Brasil, mas à “colegiação” obrigatória.

A especificidade do caso costarriquenho pode ser percebida ainda mais claramente nos votos declarados por alguns dos julgadores daquela corte, que fizeram uma clara vinculação entre a questão do direito à liberdade de expressão e a associação em colegiado profissional.

Além disso, é interessante notar que, nos detalhes desses votos, os juízes que se justificaram discutem o papel dos colegiados de todos os tipos de determinar o que seriam “justas exigências de uma sociedade democrática”.

Assim, colocam em questão, diretamente, entidades corporativas que  manipulam o conceito da liberdade de expressão em função de seus interesses específicos.

O texto do julgamento pode ser encontrado, no original em espanhol, nos arquivos da Corte, sob o título “Colegiación obligatória de periodistas”.

Os votos em separado (ver aqui) nunca se referem a outra questão que não a da associação em colegiado – caso absolutamente diverso da legislação brasileira que criou a obrigatoriedade do curso superior específico para o exercício do jornalismo como profissão.

No entanto, esse aspecto não foi considerado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, que se impressionaram com as alegações da imprensa sobre violação do direito à liberdade de expressão.

Desde que foi extinta a obrigatoriedade do diploma, o jornalismo passou a ser uma profissão-fantasma no Brasil.

As empresas demitiram centenas de jornalistas, principalmente os mais experientes, as redações encolheram, e não consta que a possibilidade de contratar especialistas de outras áreas tenha melhorado a qualidade da imprensa.

A Proposta de Emenda Constitucional no. 386/2009 segue seu curso.

Se aprovada, vai corrigir uma falha da Justiça.

É só isso, mas é bastante.

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

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