Quarenta anos depois, a linha dura do Exército sobrevive sob o espírito de Sílvio Frota

Que não se estranhe as ameaças de golpe dentro das Forças Armadas pelo fechamento do regime. Ernesto Geisel, o duríssimo Geisel, até ele, foi vítima de uma tentativa de golpe dos generais da chamada Linha Dura, o controverso general Sílvio Frota. Na imagem, Geisel, Frota – o demitido – e o sucessor, Figueiredo.

Os veteranos comandantes de tropa que hoje circundam o Estado Maior do Exército estão botando a cabeça de fora, estão rompendo as sagradas regras da hierarquia, prontos para prender corruptos nos três poderes da República e estabelecer novamente um regime de exceção.

Quarenta anos atrás, em outubro de 1977, o dia amanheceu ensolarado em Brasília. Era feriado religioso,  na Capital Federal. As redações de jornal funcionariam à meia carga, em regime de plantão.

Também, naqueles idos, com a ditadura militar em pleno vapor, pouco adiantaria saber que Câmara e Senado não se reuniriam, que os tribunais superiores, aproveitando o recesso, continuavam impedidos de julgar atos do Poder Executivo, e que ainda vivíamos o impacto do pacote de abril daquele ano, um truculento conjunto de medidas institucionais responsáveis por criar os senadores biônicos, o voto vinculado, a proporcionalidade do número de deputados favorável aos estados do Norte e Nordeste e outras abomináveis regras destinadas a fazer com que a Arena, o partido do governo, não perdesse para o partido da oposição, o MDB, nas eleições do ano seguinte, como havia perdido em 1974.

Rumores, no entanto, começavam a circular desde cedo. Em vez de gozar a folga, todos os funcionários civis e militares do Palácio do Planalto estavam convocados para o trabalho. Na sede do Executivo, foram substituídos os contingentes e sentinelas do Batalhão de Guardas pelos soldados, aliás reforçados, do Regimento de Cavalaria.

Geisel, em foto oficial

Por volta de oito da manhã, o presidente Ernesto Geisel já se encontrava no Palácio, junto com seus principais auxiliares, o chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Militar, general Hugo Abreu, o chefe do SNI, general João Baptista Figueiredo, o secretário particular, major Heitor de Aquino, e até o secretário de imprensa, economista Humberto Barreto.

Um bissexto repórter credenciado no Planalto, Evandro Paranaguá, de O Estado de S. Paulo, por acaso passava de carro pela Praça dos Três Poderes quando estranhou a entrada, no Palácio do Planalto, pela garagem, de quatro carros negros em comitiva, três da segurança e o do meio, com o ministro do Exército, general Silvio Frota, fardado e, como sempre, de cenho fechado no banco de trás.

Frota não despachava com o presidente Geisel há semanas, os rumores eram de estremecimento entre eles, já que o ministro do Exército, se não estimulava, ao menos aceitava seguidos pronunciamentos de parlamentares em favor de sua candidatura à presidência da República, em nome da linha dura, grupo militar infenso às esperanças de que um dia Geisel desenvolveria a abertura política, atenuando as tenazes da ditadura.

Frota via comunistas na imprensa, no Congresso, no Judiciário e até no governo. Havia sido mordido pela mosca azul e estava pronto a atender seguidos e anunciados convites para pronunciar conferências por todo o país, em nome da pureza revolucionária!

Apenas os dois generais sentaram-se à mesa de reuniões do gabinete presidencial. As versões depois divulgadas deveram-se obviamente a um deles, no caso, o presidente Geisel. O tonitruante chefe do governo foi logo ao assunto:

“ – Frota, nós não nos entendemos mesmo! Quero que você se demita!

– Não tenho a menor intenção de demitir-me! Sou o chefe do Exército!

– Então você está demitido, porque o cargo me pertence!

– Você não tem força para isso e eu não me demito!”

Seguiram-se adjetivos pouco vernaculares referentes às genitoras de ambos e, depois, a saída do ministro do Exército, batendo a porta.

Frota: o golpe contra a abertura

O general Silvio Frota seguiu para o seu gabinete no Setor Militar Urbano, o Forte Apache, como era chamado, verificando-se um episódio até hoje não contado, por falta de provas: quando a comitiva entrava no túnel privativo do ministro, no Quartel-General, rumo ao elevador que levava ao seu gabinete, ouviu-se um estampido.

O carro que vinha atrás do carro do ministro, com os seguranças, é abalado por forte explosão. As portas se desprendem e saem feridos dois sargentos, ainda que sem gravidade. Mais tarde, será verificado que uma granada de tempo fora colocada no piso do túnel, certamente destinada a estourar quando a viatura de Frota estivesse passando.

Os responsáveis? Certamente que não os oficiais do gabinete do ministro, mas, ao contrário, gente da presidência da República lá infiltrada.

Em sua sala, surpreendido pela iniciativa de Geisel ao demiti-lo, coisa que não esperava, Frota começa a reunir suas forças! Não aceitaria a demissão e manda telefonar para os comandantes dos quatro Exércitos (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife), além do comandante militar da Amazônia.

Participa-lhes da eclosão de uma crise, fala da humilhação a que o presidente da República estava submetendo o Exército e pede que se dirijam imediatamente a Brasília, indo do aeroporto diretamente para o Quartel-General.

Pobre estrategista, o ministro, porque desde a véspera os comandantes militares haviam sido avisados por coronéis do Gabinete Militar da presidência da República que algo de grave aconteceria em Brasília, mantendo-se preparados para vir à capital federal, dirigindo-se imediatamente ao Palácio do Planalto.

O comandante do III Exército, general Belford Betlem, encontrava-se de férias, no Rio, e recebera mensagem suplementar: deveria trazer a farda, pois talvez lhe coubesse missão específica. No caso, assumir o ministério do Exército.

Ele também pertencia à linha dura, dias atrás havia expedido nota verberando o comunismo. Foi a primeira surpresa de muitas que o general Silvio Frota receberia naquele dia!

A difícil abertura arquitetada por Golbery

Geisel e seu ministro da Casa Civil, o general Golbery do Couto e Silva, principal articulador do projeto de distensão política, eram vistos como traidores dos ideais de 1964 e criticados duramente em panfletos anônimos que circulavam nos quartéis. Os papéis atacavam a “vaidade cega” de Geisel e a “ganância insaciável” de Golbery, em geral retratado pendurado numa forca em desenhos ameaçadores.

Golbery, o bruxo da abertura e Geisel.

O representante mais destacado desse grupo era o general Sylvio Frota, o ministro do Exército. Admirado pela linha dura, ele virou motivo de preocupação para Geisel quando começou a se movimentar nos quartéis e até no Congresso como se fosse candidato a presidente. Geisel tinha outros planos e não admitia a ideia de que a escolha de seu sucessor pudesse ser imposta por subordinados.

O enfrentamento de Geisel com a linha dura teve três momentos decisivos. O primeiro foi a morte do jornalista Vladimir Herzog no quartel-general do 2º Exército, em São Paulo, em outubro de 1975. Seu corpo foi exibido pendurado pelo pescoço por um cinto amarrado à janela de uma cela. A versão oficial era que ele se suicidara na prisão, mas as marcas de tortura eram visíveis no seu corpo. A comoção provocada pela morte levou milhares de pessoas a participar de uma celebração religiosa realizada em memória do jornalista na catedral da Sé.

Geisel irritou-se com o episódio, mas só agiu três meses depois, quando o operário Manoel Fiel Filho apareceu morto no mesmo quartel em circunstâncias semelhantes. A versão oficial dizia que ele havia se suicidado com um par de meias. Geisel achou que era uma provocação. Chamou Frota a seu gabinete e mandou que demitisse o comandante do 2º Exército, general Ednardo D’Ávila Mello.

Frota cumpriu a ordem, mas continuou se movendo como se fosse capaz de impor sua candidatura com o apoio dos oficiais radicais e contra a vontade de Geisel. Só descobriu que vivia uma ilusão no dia 12 de outubro de 1977, um feriado, quando Geisel o demitiu após cinco minutos de conversa. Nenhum dos generais que diziam apoiar as pretensões de Frota reagiu. Todos perceberam que era Geisel quem mandava.

Frota despediu-se divulgando um manifesto de oito páginas, em que atacou a política externa do governo por buscar aproximação com a China, criticou a interferência do Estado na condução da economia e acusou o governo de “complacência criminosa” com a “infiltração comunista” no setor público e na sociedade. Como afirmou mais tarde em suas memórias, que só foram publicadas após sua morte, Frota acreditava que Geisel e Golbery eram “socialistas”.

 

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Autor: jornaloexpresso

Carlos Alberto Reis Sampaio é diretor-editor do Jornal "O Expresso", quinzenário que circula no Oeste baiano, principalmente nos municípios de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Tem 43 anos de jornalismo e foi redator e editor nos jornais Zero Hora, Folha da Manhã e Diário do Paraná, bem como repórter free-lancer de revistas da Editora Abril

4 comentários em “Quarenta anos depois, a linha dura do Exército sobrevive sob o espírito de Sílvio Frota”

  1. Foi uma disputa,de poder, general Silvio esqueceu da hierarquia, quis passar a frente do chefe, nao conseguiu sustentação e foi demitido.E Na medida em que divulga a lista para os civis( jornalistas) cometeu uma traição ao Exercito .se ele sabia dessa lista quando estava no comando do exército, porque não apresentou ai seu chefe( PRESIDENTE GEISEL) nesse momento considero um grande traidor.

  2. jose natalino como ele iria entregar essa lista ao Geisel, se ele estava por tras de tudo isso apoiando esses comunistas comunado com o Golbery.

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